sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Capítulo Final: o alterego.

Tommy Jarvis fingindo ser o pequeno Jason em Sexta-feira 13: Capítulo Final (1984).
Abaixo, Jason sem máscara.

Este é um dos melhores, senão o melhor de todos os filmes da série. Jason encontra seu arqui-inimigo Tommy, um menino que gosta de coisas feias e assustadoras e que tem um surto de loucura depois de fingir ser o Jason criança para matar o Jason verdadeiro. O pobrezinho faz com Jason mais do que Jason fez com as vítimas do filme. É uma cena forte ver um garotinho esfaqueando impiedosamente um homem grande e já morto no chão enquanto grita "DIE! DIE!". Foi muito audacioso. Mas graças a isso Tommy estabelece uma estranha relação com Jason, e nunca se recupera. Jason passa a fazer parte dele, e acho que é isso que todo sobrevivente deve temer.

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Na época em que foi feito, acho que os cineastas pensavam – ou pelo menos queriam que nós pensássemos que eles pensavam – que este seria o último Sexta-feira 13 da série. Eles parecem ter dado o máximo de si, melhorando a qualidade apesar de um orçamento significativamente reduzido desde a parte 3. O cinegrafista de Capítulo Final, João Fernandes, tinha muito mais experiência do que Barry Abrams (Sexta-feira 13), Peter Stein (parte 2) ou Ferald Feil (parte 3). Acho que dá pra notar; comparado com os três primeiros da série, Sexta-feira 13: Capítulo Final parece mais profissional, mais hollywoodiano. Quanto à fotografia, é plausível que surjam dúvidas sobre o profissionalismo de Fernandes: muitos dos filmes que ele fez eram pornôs ou quase pornôs. Ele fez Fantasy com Gerad Damiano e filmes com títulos como The Spy Who Came, It's Not My Body, e Little Girl...Big Tease, sobre os quais muito pouca informação pode ser obtida.

Eu não conheço muito (dane-se, não conheço nada) da pornografia dos anos 70, mas é bem sabido que elas eram feitas como outros filmes independentes. Sabe, com um cinegrafista de verdade e tal. E os filmes de Damiano são considerados entre os mais respeitáveis do período. A questão é que Fernandes fazia filmes de verdade, e muitos. Eu sei que novamente podemos discutir isso, não só porque eu nunca fui exposto ao trabalho de Fernandes, mas em virtude de o inferior Sexta-feira 13 parte 3 ter sido rodado por Gerald Feil, que trabalhou com Peter Brook em O Senhor das Moscas original.

Talvez possamos mais facilmente atribuir a sensação de superioridade do Capítulo Final ao diretor Joseph Zito. Zito não fez muitos filmes, mas a qualidade de sua direção é mais bem articulada ao longo do próprio file do que por qualquer outra experiência prévia. Sua abordagem decididamente se distingue do misticismo encoberto de Sean Cunningham e do humor malicioso de Steve Miner; Jason é seriamente cruel neste filme. Ele não apenas mata suas vítimas, ele as estraçalha.

Muitos vidros são quebrados no Capítulo Final. Se você não é ligado (ou até mesmo se é) em Sexta-feira 13, fica muito repetitivo e estúpido. Primeiro eu pensei que talvez isso fosse simbólico para a virgindade perdida, mas logo encontrei uma explicação mais coerente e viável: o vidro é simplesmente o sopro de vida nas vítimas de Jason. Ele arrebenta janelas de uma vez, com violência, com comoção. É evidência de sua força extraordinária e do determinismo da violência que ele comete. Eu me lembro de ter dito que as mortes na parte 2 de Steve Miner eram feitas com armas perfurantes, o que as sexualizava. No capítulo Final, Jason não tem armas perfurantes. Ele tem facas, particularmente um facão. Ele não o utiliza para fatiar ou picar, mas para apunhalar. O visual é similar ao de carne sendo penetrada, novamente simulando o ato sexual. O que é muito mais perturbador, no entanto, é que dor parece ser a motivação para as mortes. Essas pessoas sofrem de verdade.

Jason mata uma enfermeira sexy e um cara tomando banho em parte amassando lentamente seus crânios.

Uma caroneira é pega pelo pescoço enquanto come uma banana (a banana é apertada, e então cai da casca). Outro cara é crucificado no meio de uma porta aberta e casualmente derrubado por Jason, que arranca suas mãos como se fossem de barro. Há uma morte cortante (e bastante bem documentada por sites de fãs de terror), mas é com uma serra tico-tico. Imagine ter seu pescoço serrado por uma serra tico-tico – não um facão, não um machado, mas uma serra tico-tico (veja abaixo) Se você não fizer careta, ou você já morreu ou é um desses malucos doentes que viu mesmo toda a série Guinea Pig.

Essas pessoas morrem mortes profundamente longas, e Jason consegue aproveitar e acentuar o sofrimento delas. Em filmes anteriores, um corte é feito no corpo e as vítimas sangram até morrer. No Capítulo Final, Jason continua segurando a arma enquanto a vítima se esvai. Isso faz a sexualização da violência muito, mas muito mais perturbadora. As mortes ganham um quê de sadismo. Não apenas a violência deste filme é mais extrema, como também o é o sadomasoquismo.


Há muito mais nudez desta vez, embora não haja sexo de verdade. A ausência de sexo na tela nos leva a aceitar melhor uma certa teoria sobre a série da qual eu vou falar depois. Um dos atrativos da nudez e do sexo é o modo como as garotas não sentem a menor vergonha. Houve uma cena em que uma menina nadava pelada no lago na parte 2, mas era à noite, quando ninguém devia estar vendo. No Capítulo Final, todo mundo vai nadar pelado em plena luz do dia. Mais tarde, uma garota dá um mergulho no lago esperando que seu namorado vá atrás dela. Ele vai, e nós o vemos se despindo antes de mergulhar. O que nos traz a outra questão, de que os filmes de Sexta-feira 13 têm sido com freqüência acusados de misóginos por mostrar um monte de meninas tirando a roupa e morrendo. É verdade que eles tendem a isso, mas nós com certeza vemos nossa cota de garotos de bunda de fora. Há uma cena que eu acho especialmente interessante: um casal está tomando banho, dando uns amassos. Ela sai e diz a ele que vai estar esperando. Enquanto ele termina o banho, Jason vai pegá-lo. Pensando que é seu amigo Teddy, a quem ele considera exagerado ao se gabar de suas proezas sexuais, o garoto brinca que deixou cair o sabonete e convida Teddy para entrar no chuveiro também. Mesmo que o personagem esteja brincando, nós temos sugestão suficiente de que ele e Teddy fazem sexo. Ou, se não fazem, o palco está montado para enxergarmos o personagem num contexto homossexual. Jason o mata, novamente com um pouco de dolorosa violência sexualizada. Temos aqui um garoto que, após dar uma cantada de brincadeira em outro garoto enquanto toma banho, é assassinado. A famosa cena do chuveiro em Psicose era de Janet Leigh sofrendo um “estupro a ferro” de Norman Bates, que só consegue liberar suas frustrações sexuais por meio de assassinato. Similarmente, quando mata o garoto no chuveiro, como no caso de todas as outras meninas que ele já matou, Jason o mata, realmente, com um “estupro a ferro”.

O que é fascinante nesta cena não é tanto o fato de que isso iguala o campo de jogo (ainda tem aquela violência sexual contra as mulheres), mas como também há violência sexual contra homens, os homens são, pois, transformados em vítimas e em alvos sexuais para destruição. O sexo nos filmes de Sexta-feira 13 existe muito mais entre pessoas que estão num relacionamento. Não é o caso do Capítulo Final, em que os pares se formam aleatoriamente por todos os lados. Carregando a tocha de Larry Zerner da parte 3, o Jimmy de Crispin Glover até consegue se dar bem com uma gostosinha que ele acabara de conhecer. Teddy, o alvo da piada do sabonete, tinha explicado a Jimmy que a namorada de Jimmy o havia deixado porque ele era ruim de cama (“dead fuck”). Esta é uma piada corrente no filme, e se existe uma história, ela geralmente gira em torno de Jimmy tentando se redimir.

Bem, ele consegue. Quando ele pergunta à garota com quem transou se foi bom, ela sorri e se esfrega nele sussurrando “você foi incrível”. Depois de dar a Teddy uma calcinha roubada como prova de sua conquista, Jimmy é morto. Claro que isso não parece nem um pouco tão cruel quanto a execução de Zerner/Shelly na parte 3, que continuou um loser virgem e indesejado até o fim. Acho legal que Jimmy reconquiste sua destreza sexual. No entanto, devo notar que o termo “dead fuck” tem significados subliminares que são impossíveis de se ignorar ou negar. “Estar morto” e “foder” são as duas únicas coisas exigidas de Jimmy e para a maioria dos personagens. Eu ia escrever que a caroneira assassinada só existe para morrer, e que ela é inteiramente periférica na história. Como já escrevi vezes e vezes, no entanto, não há história nenhuma, apenas periféricos. Nenhuma dessas pessoas existe por qualquer outra razão além de ser morta.

O Massacre da Serra Elétrica já foi lido como um filme pró-vegetarianismo. Os comedores de carne no filme aprendem como se sente quem está do outro lado do gancho. A idéia é que eles, bem como a platéia, são tratados como animais, e nós temos de reconhecer o que fazemos com animais para comê-los, experimentando o seu massacre. Mas, alguns animais que nós comemos não procriam naturalmente. Nós os criamos de forma que eles não seriam capazes de sobreviver sem nós. Enquanto, numa certa época, vacas, perus e outros existiam por existir, hoje eles chegaram a um ponto em que existem somente para serem mortos e comidos. Esta é a vida de um personagem de Sexta-feira 13. Enquanto em O Massacre da Serra Elétrica nós nos identificamos ou deveríamos nos identificar com os personagens, nós estamos acima deles em Sexta-feira 13. Nós os analisamos objetivamente, não pessoalmente. Jason não é canibal, é claro. Ele também não está caçando esses personagens; não é um esporte. É mais como se as mortes dessas pessoas fosse uma conclusão previsível, uma desculpa para Jason malhar os músculos e se divertir. O filme sugere que Jason está executando vingança contra aqueles que mataram sua mãe e lhe causaram tanta dor – mas isso não parece explicar corretamente a natureza das mortes do filme, pois colocaria Jason no mesmo plano que suas vítimas. Está muito claro que ele é superior a elas.

Na melhor tradição dos filmes de monstro, temos mais evidência de que Jason seja produto do inconsciente, fazendo aquilo que a entidade consciente não pode fazer. O Tommy Jarvis de Corey Feldman é uma criancinha perturbada. Há uma implicação muito forte de que Jason seja uma extensão do inconsciente dele. Tommy vê seus vizinhos adolescentes tarados se vestindo e fica visivelmente excitado. O personagem de Jason poderia então ser o seu jeito de “fazer sexo com eles”. Tommy fabrica máscaras, e convida um jovem garoto (por quem ele sente um tipo de atração garoto/homem adulto) para ir a seu quarto ver as máscaras, onde ele faz um monte de coisas com elas. Isso parece estimular a idéia de que as mortes são uma forma de comunicação entre Jason (como Tommy) e os outros personagens. Tommy é quem finalmente derrota Jason. Ele cria o cenário primeiro raspando a cabeça e se vestido como o pequeno Jason. Quando Jason vê isso, fica visivelmente confuso. Depois de terrivelmente atacar o olho de Jason, Tommy abraça sua irmã, apenas para perceber que os dedos de Jason ainda se movem. Com isso, Tommy se enfurece e esfaqueia Jason com violência. Ele é cruel e louco assim. Embora o filme pareça dizer que agora Tommy está se tornando Jason, Tommy apóia a popular teoria de que Jason pune pessoas por fazer sexo e que os virgens sobrevivem até o fim porque eles são mais parecidos com o assassino, pois continuaram crianças. Esta teoria é brilhantemente ilustrada em Dr. Giggles, de Manny Coto, mas até agora estava difícil de se encaixar nos filmes de Sexta-feira 13. Nenhum dos personagens até Tommy Jarvis tinha muito que oferecer. Eles são melhores como vítimas, veias vazias a serem valorizadas somente porque existem como seres sexuais. De qualquer jeito, suponho que isto seja uma discussão meio “o ovo ou a galinha”.

Corey Feldman e Crispin Glover não eram exatamente astros quando Capítulo Final foi lançado. Respectivamente, Os Goonies e Gremlins e De Volta para o Futuro estavam ainda para sair. Porém, tanto Feldman quanto Glover eram astros-mirins experientes, e são consideravelmente mais visíveis do que muitos de seus colegas de Sexta-feira 13. (Eu argumentaria que Kevin Bacon, do primeiro filme, continua a ser o veterano mais famoso da série.) A presença de ambos os atores, mesmo assim, ajuda a transformar o filme numa verdadeira esquisitice. Glover sofre muito por ser um excêntrico em sua carreira. Ele escreveu e dirigiu um filme chamado What is it?, em que todo o elenco tinha síndrome de Down, e desde então publica um ocasional livro de poesia. Mais notada foi sua aparição vestido como seu personagem de River’s Edge no “Late Night with David Letterman". Aparentemente dentro do personagem, ele lançou um chute sobre Letterman, passando a centímetros de sua cabeça e causando um corte para os comerciais. Você nos convenceu, Crispin: pirou legal.

Glover faz o melhor trabalho entre todos os atores de Sexta-feira 13 até hoje. Eu até fiquei curioso sobre o que ia acontecer com ele no filme. Entretanto, há suspeitas quanto à sinceridade de sua performance, como é devido. A única vez em que Glover abandona sua esquisitice costumeira é quando faz sua hoje infame cena de dança. Ele realmente, apaixonadamente e forçadamente anda pra lá e pra cá em contra-ritmo com a música. É embaraçoso e maravilhoso de assistir.

Juntos, o sexo e a violência intensificados, a abordagem profissional e a força possivelmente não intencional de Corey Feldman e Crispin Glover contribuem para um filme que recompensa os fãs de Sexta-feira 13 por haverem continuado firmes. O Capítulo Final é um grande filme? É uma obra-prima? Cara, essa é uma boa pergunta, mas que finalmente devemos nos fazer, já que este é provavelmente o melhor filme de Sexta-feira 13 possível de ser feito, sem deixar de ser Sexta-feira 13. O Capítulo Final está longe de ser perfeito como uma obra isolada, e infelizmente é assim que eu acho que devemos ver os filmes. Eu prefiro simplesmente dizer que a experiência Sexta-feira 13 é uma das melhores de todas as experiências cinemáticas, com o Capítulo Final sendo um de seus pontos altos. Se você só quiser assistir a uma Sexta-feira, tem que ser esta.

Sexta-feira 13: Capítulo Final começa com uma ótima seqüência dos assassinatos de Jason , editados para compor uma montagem brutal. Vemos praticamente todas as mortes até então. Para os não-convertidos, ela pode parecer tosca e de mau gosto. Para os convertidos, nós a vemos pelo que ela é: uma celebração da vida e além-vida de nosso amado assassino serial, a sexta-feira final. Felizmente, para nós, Jason estaria de volta para mais quatro ou cinco ou mais continuações, chegando até a ir ao espaço sideral. Isso quase me traz lágrimas aos olhos.- Alex Jackson

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