
Abaixo, Shelly pedindo ajuda depois de ter sua garganta cortada.

Ah, esse foi o primeiro Sexta-feira 13 que eu assisti... Nossa, como eu tinha medo. Quando Jason tirava a máscara então... argh.
Este é o filme em que Jason consegue a máscara, e dá pra notar que ele se torna um assassino mais confiante com ela. A máscara é de importância vital para que ele mantenha sua auto-estima e confiança enquanto sai matando os pobres jovenzinhos americanos. Isso porque sua aparência era o que o tornava diferente e excluído do grupo, fazia com que ele fosse tímido e não tivesse muitos amigos, agarrando-se assim a sua mãezinha. Sua aparência mostra um homem deformado, um sub-homem, um pária da sociedade. Agora, com a máscara de hóquei, ele pode se sentir superior aos meros mortais e executar sua vingança contra a sociedade que não o aceitou e ainda permitiu que ele morresse. Dá-lhe, Jason.
*-*-*-*-*-*-*
Sexta-feira 13 parte 3 tem um tom mais leve e mais bobo do que seus predecessores. Jason, é claro, continua por aí matando adolescentes (ou melhor, adolescentes de espírito), mas o filme quase parece ter esquecido tudo sobre ele. De acordo com a Internet Movie Database, este é o único filme da série em que seu nome nunca é mencionado (exceto em flashbacks da parte 2); eu sei que parece ridiculamente sem sentido reclamar que o filme mostra Jason como nada mais que uma máquina de matar, mas em contraste com os filmes anteriores, isso se torna uma crítica válida. A parte 3 nos dá menos que o merecido no quesito mitologia Jason – e isso é uma ofensa quase inconcebível. Uma crítica no DVD Verdict reclama do excesso do uso de ângulos em primeira pessoa no filme; eu sinceramente não me lembro de muitos desses ângulos, exceto é claro quando as coisas são atiradas contra a tela para explorar a fotografia original em 3-D. (Que eu duvido que seja remotamente eficaz: toda vez que um objeto é empurrado para a frente da câmera, o fundo sai completamente de foco.) A presença de Jason é tipicamente dada pelo ponto de vista das vítimas, e isso também não parece funcionar. Pra completar, os efeitos sonoros de “ki ki ki ch ch ch” parecem estar ausentes. O propósito destes sons era, é claro, nos fazer mergulhar na mente esquizofrênica de Jason/sua mãe. A omissão destes elementos transmite uma mensagem bem clara: isso aqui não é mais exatamente o show de Jason.
O filme não tem um começo muito bom. O prólogo é simplesmente uma longa reprise do final da parte 2. Eles tentam amarrar alguns nós mostrando a única sobrevivente sendo levada para uma ambulância no noticiário da noite, mas nós percebemos que isso é muito desnecessário e que eles só estão tentando esticar a duração do filme. A seqüência inicial mostra os créditos voando em nossa direção. Parece coisa de fita barata, e a música de sintetizador de discoteca – que é, eu confesso, bem legalzinha, mas ainda assim uma música de sintetizador de discoteca – compõe o efeito. Será que eles abandonaram toda pretensão de fazer uma coisa séria?
As duas primeiras vítimas de Jason são o proprietário de uma mercearia, que regularmente rouba petiscos de sua própria loja, e sua esposa dominadora. O marido também esconde animais de estimação, como coelhos e cobras. A esposa, com seu cabelo enrolado em bobes, parece mais jovem do que deveria ser. A mensagem, eu acho, é que esses personagens deveriam ter sido mortos por Jason há anos, quando ainda eram adolescentes tarados. Não consigo imaginar esses dois ainda fazendo sexo. A mulher reprime o apetite do marido por comida, alegando que o médico falou que ele não deveria comer tanto. Ela recusa o prazer pelo prazer, despejando a responsabilidade numa autoridade quase desconhecida e nunca desafiada. A religiosidade da mulher, em certo sentido, não é realmente um senso desenvolvido de moralidade, o que resulta numa falta de senso bem desenvolvido de espiritualidade ou de humanidade. Com isso retornamos à minha observação original de que as vítimas em Sexta-feira 13 não morrem porque alguma força cármica as está punindo por seu hedonismo, mas sim porque elas não têm vidas que valham a pena ser protegidas. Fico deprimido se imagino as vítimas de Sexta-feira 13 não morrendo, crescendo para se tornarem o dono da mercearia e sua mulher, e pensando erroneamente que eles superaram seus anos adolescentes de sexo e maconha, quando na verdade eles simplesmente os trocaram por um tipo diferente de imbecilidade insípida.
Suponho que tudo isso não seja inteiramente sem valor num filme de Sexta-feira 13, mas é meu dever informar que esses personagens acrescentam mais do que encheção de lingüiça. O “resto do filme” envolve seis adolescentes de espírito e dois hippies saindo de férias para o bosque. Este é o primeiro filme em que eles não são monitores, e um breve estudo dos próximos filmes mostra que Jason matou menos monitores de acampamento do que pessoas quaisquer. O personagem mais interessante é Shelly, um loser gordinho com um “afro judeu”. Ele faz muitas brincadeiras em que finge ter sido assassinado, ou se aproxima furtivamente de seus amigos fantasiado de maníaco homicida. Ele quer se encaixar no grupo, e quem sabe se dar bem com seu par de um encontro às cegas arranjado por seu colega de quarto. A presença de Shelly não é inteiramente inoportuna. Ele não tem o visual arrumadinho e bonitinho dos outros personagens, os quais eu achei meio indiferenciáveis, e sua alienação do grupo é usada para sublinhar uma ressonância temática bem específica. Uma das brincadeiras de Shelly envolve o uso de uma máscara de goleiro de hockey. Essa máscara, adivinhe, acaba sendo tomada por Jason e hoje se tornou sua marca registrada. Todos os pôsteres dos filmes posteriores mostram a máscara; Jason a usa por todo o resto da série. Num filme em que os personagens nem se dignam a pronunciar seu nome, é curioso que Jason adote esta pequena lembrança de um de seus mortos para ser sua marca pelo resto da vida (e além).
O deslocado Shelly usou a máscara com um duplo objetivo: para esconder sua odiada aparência, e para se incorporar às vidas das pessoas que ele sente que existem fora dele. Imaginamos que a máscara sirva a um propósito similar para Jason. Eu disse em minha análise de Sexta-feira 13 parte 2 que as mortes têm algo de sexual, por meio do uso de armas perfurantes. Ao mesmo tempo em que acredito que o objetivo disso era principalmente produzir um tom mais misógino e niilista, o paralelo com Shelly parece sugerir que as mortes perpetradas por Jason podem ser uma tentativa de estabelecer intimidade. Assumindo que Shelly seja uma referência a Mary Shelley, e que Shelly é discutivelmente para Jason o que Mary Shelley foi para Frankenstein (ou seja, o criador), talvez esses assassinatos sejam o único jeito que a criatura conhece para se comunicar com o mundo. Imagina-se que Jason tenha vivido sem sua mãe por tanto tempo que essas mortes representam o nível no qual ele consegue manter contato com ela. Ou talvez ele aja movido por compulsão e frustração. A única maneira de Jason obter qualquer tipo de reconhecimento por parte de qualquer um desses jovens é sair por aí matando. Reconhecimento, em lugar de vingança, pode ser o que tanto Jason como sua mãe estivessem buscando o tempo todo. Na mesma linha, tanto Shelly como Jason forçam os personagens a encarar o tipo de feiúra em seus seres que todos tentam ignorar. Shelly se afunda em sua própria falta de jeito, tanto quanto Jason se afoga em sua monstruosidade, um aspecto de valor incalculável que reflete bem a contribuição de Sexta-feira 13 parte 3 para a série.
Há um conteúdo subliminar interessante adicionado ao conceito de Jason e tematicamente de por que ele está matando. A heroína menciona que ela fugiu de casa depois que sua mãe lhe batera. Ela estava dormindo no bosque quando Jason a atacou. Ela acordou no hospital. Seus pais nunca mencionaram nada sobre o ocorrido. A intenção é fazer um paralelo entre o ataque de Jason e o ataque dos pais, cada uma destas entidades no papel de um adulto tentando restringir a liberdade da garota por meios físicos. Similarmente, estas entidades têm sua existência negada pela maioria dos outros personagens. Esta talvez seja uma das primeiras vezes em que um personagem de Sexta-feira 13 apresenta background suficiente para seu encontro com Jason, resultando em algo substancial. No final do filme, a garota tenta enforcar Jason num nó corredio improvisado. Para conseguir se livrar da corda, ele levanta sua máscara e desliza para o chão. Ela vê o seu rosto e o reconhece como aquele que a atacara no passado. Somos levados a acreditar, por isso, que ela investe algo em derrotar Jason: ela não luta apenas por sua vida, ela luta contra a ameaça que seus pais dominadores jogaram sobre ela. Ela está se libertando como adulta e como mulher. Temo que esse aspecto não seja completamente eficaz. O relacionamento parece toscamente mal desenvolvido, e nós não recebemos muita informação sobre o que ser uma adulta significa para a garota, ou até mesmo porque sua mãe lhe batera. É curioso que os realizadores do filme tenham tentado isso.
No departamento “onde eles estão agora”, o ator que fez Shelly, Larry Zerner, hoje trabalha na área de direito do entretenimento! Enquanto isso, a atriz Tracie Savage (a Debbie do filme) é âncora de noticiário no Channel 4 News em Los Angeles e já ganhou um Emmy. Ela foi repórter-chefe de campo no julgamento de O.J. Simpson! Isso é interessante para mim porque Savage está especialmente ruim neste filme, até pelos padrões de atuação de Sexta-feira 13. Debbie é a única mulher que faz sexo no filme (e que quase mostra alguma nudez no sexo e mais tarde no banho) mas embora ela diga que a transa foi “a melhor de sua vida”, ela não parece nem sem fôlego nem cansada depois da experiência. Ou talvez (tapa na testa) seja esse o ponto. É difícil julgar corretamente a atuação nesses filmes porque os atores nunca recebem personagens para interpretar ou coisas para fazer. Mas Savage faz com que você perceba o quão melhores eram os outros veteranos de Sexta-feira 13 em retratar pessoas depois de um suposto orgasmo devastador.
Debbie diz estar grávida, mas parece que Savage esquece disso em sua atuação. Mas, falando sério, acho que talvez seja de propósito. Depois do sexo, seu namorado se oferece para lhe trazer uma cerveja. Ela aceita, mas depois resolve que não quer mais a bebida. Eu suspeito que a personagem de fato tenha se esquecido que estava grávida, mas aí tenha se lembrado de repente. Debbie não parece possuir nenhum tipo de medo ou excitação sobre sua gravidez. Ela trata o assunto de maneira assombrosamente casual. Quando ela é morta, nós não ficamos chocados por causa da humanidade que a gravidez deu à personagem, mas por causa da falta de humanidade. Poderíamos dizer que Jason estava só acelerando as coisas. Que chances poderia ter aquela criança de crescer e se tornar mais do que uma vítima de Sexta-feira 13, quando o ambiente no qual ela/ele nasceria é tão raso e desalmado?
Os hippies no filme se misturam bem aos outros personagens, embora eu não me lembre de nenhuma explicação para a existência deles. Eles parecem velhos o suficiente para ter ido ao Woodstock. No começo do filme, sai fumaça de dentro da van da turma. Eles correm até ela pensando que está pegando fogo, mas é claro que são só aqueles hippies malucos fumando um narguilé. Eco eco! Mais humor maconheiro logo em seguida, quando a polícia começa a seguir a van, com as sirenes soando. Pensando que foram descobertos, os jovens tentam comer o suprimento de maconha. Acontece que a polícia só estava correndo para a cena de uma chacina brutal; o “ah, não...” da turma quando eles percebem que comeram a erva para nada também denota o alívio por não terem sido pegos. A ironia fácil por trás da idéia de que o assassino para o qual eles dão de ombros pode fazer-lhes muito mais mal do que uns policiais procurando por drogas mesmo assim sugere um ar de superioridade em relação às prioridades bobas das vítimas. Elas têm uma visão extremamente limitada do mundo, e vêem a polícia como uma instituição que serve ao único propósito de estragar a sua festa.
No meio do filme, os realizadores apresentam uma gangue de motoqueiros que importuna Shelly e seu par quando eles estão comprando comida no mercadinho da cidade. Shelly acidentalmente derruba as motos deles quando está tirando o carro do estacionamento, então um dos gangsters quebra o vidro de sua janela. Isso tira Shelly do sério, incitando-o a virar o carro e a amassar pra valer as motos. Quando esta mesma cena passou no não-clássico Girl in Gold Boots do Mystery Science Theater, foi para ajudar a estabelecer, em certo nível, a natureza afoita e fora-da-lei do protagonista. Também é esse o ponto em Sexta-feira 13 parte 3, eu acho: Shelly não parece mais tão bobão quando atropela as motos, e fazendo isso ele ainda consegue melhorar bastante a visão que a garota com quem está saindo tem dele. Além de exposição de personagens, a cena não tinha muito propósito em Girl with Gold Boots, já que nunca é mencionada de novo. Na parte 3, ela entra na história. A gangue precisa se vingar do crime, então eles roubam a gasolina do carro de suas vítimas e pretendem tocar fogo no celeiro, acho. Um carro sem gasolina se prova uma ameaça quando você está tentando fugir de um assassino enlouquecido.
As roupas dos motoqueiros da parte 3 são tão elaboradas que a gangue parece se tornar uma construção artificial com consciência disso. Todos usam roupas de couro e têm estampas de caveira nas camisetas. Um motoqueiro está sempre com um cigarro na boca. Quando ele é morto, ele engasga e o cigarro cai de seus lábios ensopado de sangue. Esta morte é quase complementada por outra em que o maconheiro hippie é eletrocutado e solta fumaça pelo corpo. Sua namorada é morta com um ferro de marcar quente e, novamente, mais fumaça. Eles morrem literalmente soltando fumaça (smoking). Piadas assim são mais adequadas em paródias à La Mel Brooks/Keenan Ivory Wayans. Eu não desgosto totalmente do distanciamento e do ódio pelos alvos que esses cineastas mostram em suas sátiras sarcásticas. Mas os filmes de Sexta-feira 13 são uma espécie mais delicada, em que o distanciamento parece mais sutil e direto e, eu acho, mais tocante. Prefiro uma piadinha interna, como quando a personagem sobrevivente adormece numa canoa, assim como a atriz do primeiro filme, e é atacada não por um pequeno Jason, nem pelo Jason mais velho, mas pela mãe de Jason, que devia estar sem cabeça, com seu suéter velho. Essa cena consegue funcionar por si mesma e num nível mais alto, diferente das outras duas.
Mesmo assim, as piadas com fumaça usadas no filme são mais engraçadas e mais sutis do que a maior parte do trabalho de Brooks e Wayans, ainda que não sejam do mesmo gênero. Acho que a parte 3 é um dos filmes menos Sexta-feira 13, não se desvia muito do chão batido. Por mais que seja um filme diferente, ele consegue permanecer mais ou menos a mesma coisa. Gostaria de recomendá-lo aos fãs de Sexta-feira 13 como um prazer culpado, se é que você entende o que quero dizer sem interpretar como duplo sentido. Acho que diz tudo o fato de que, enquanto uma boa parte dos fãs acha esse um dos piores da série, outra parte igualmente grande acha que é um dos melhores. Provavelmente depende bastante da razão pela qual você está assistindo a um filme de Sexta-feira 13, em primeiro lugar. As mortes na parte 3, incluindo as que eu já mencionei, estão entre as mais memoráveis da série. Há outras mortes-piadas. Jason esmaga a cabeça de uma vítima até que o olho salta pra fora em direção à câmera, e o efeito é divertido, quando não obviamente falso. Um personagem está andando com as mãos quando Jason o corta ao meio com um facão. Uma das mortes mais perturbadoras é a da garota com quem Shelly saiu: Shelly havia acabado de assustá-la e de contar que ele tinha que fazer essas brincadeiras, porque senão ninguém o notaria. Ela diz a ele que está enganado e que ela gosta dele. Ele vai embora e ela suspira. Ela pega a carteira dele que caiu no chão e abre, vendo uma foto dele com a mãe. Ela sorri; Shelly é mesmo um cara legal. Então ela derruba a carteira na água do lago (um óbvio símbolo sexual) onde ela está balançando os pés. Enquanto tenta pegar a carteira de volta, ela vê um homem com uma máscara de hóquei. Ela pensa que é Shelly, mas numa segunda olhada percebe que é um estranho. De repente, o estranho ergue um lançador de arpão e atira no olho dela.
O interessante nesta cena é que um relacionamento verdadeiro estava nascendo aqui. Nós até queremos que os dois fiquem juntos. Jason não lhes dá esse refresco, porque ele não está nem aí. Quando mais você se importa com os personagens, mais você percebe que a idéia de se importar com eles é absurda. Por que fazer planos, por que procurar ou pensar no amor, quando você existe somente para ser estripado como um animal? Toda a existência dessa garota não tem mais valor que a existência de um lenço usado. O pensamento é assustador e um tanto trágico. E essa é basicamente a espinha dorsal da experiência de Sexta-feira 13. -Alex Jackson
O filme não tem um começo muito bom. O prólogo é simplesmente uma longa reprise do final da parte 2. Eles tentam amarrar alguns nós mostrando a única sobrevivente sendo levada para uma ambulância no noticiário da noite, mas nós percebemos que isso é muito desnecessário e que eles só estão tentando esticar a duração do filme. A seqüência inicial mostra os créditos voando em nossa direção. Parece coisa de fita barata, e a música de sintetizador de discoteca – que é, eu confesso, bem legalzinha, mas ainda assim uma música de sintetizador de discoteca – compõe o efeito. Será que eles abandonaram toda pretensão de fazer uma coisa séria?
As duas primeiras vítimas de Jason são o proprietário de uma mercearia, que regularmente rouba petiscos de sua própria loja, e sua esposa dominadora. O marido também esconde animais de estimação, como coelhos e cobras. A esposa, com seu cabelo enrolado em bobes, parece mais jovem do que deveria ser. A mensagem, eu acho, é que esses personagens deveriam ter sido mortos por Jason há anos, quando ainda eram adolescentes tarados. Não consigo imaginar esses dois ainda fazendo sexo. A mulher reprime o apetite do marido por comida, alegando que o médico falou que ele não deveria comer tanto. Ela recusa o prazer pelo prazer, despejando a responsabilidade numa autoridade quase desconhecida e nunca desafiada. A religiosidade da mulher, em certo sentido, não é realmente um senso desenvolvido de moralidade, o que resulta numa falta de senso bem desenvolvido de espiritualidade ou de humanidade. Com isso retornamos à minha observação original de que as vítimas em Sexta-feira 13 não morrem porque alguma força cármica as está punindo por seu hedonismo, mas sim porque elas não têm vidas que valham a pena ser protegidas. Fico deprimido se imagino as vítimas de Sexta-feira 13 não morrendo, crescendo para se tornarem o dono da mercearia e sua mulher, e pensando erroneamente que eles superaram seus anos adolescentes de sexo e maconha, quando na verdade eles simplesmente os trocaram por um tipo diferente de imbecilidade insípida.
Suponho que tudo isso não seja inteiramente sem valor num filme de Sexta-feira 13, mas é meu dever informar que esses personagens acrescentam mais do que encheção de lingüiça. O “resto do filme” envolve seis adolescentes de espírito e dois hippies saindo de férias para o bosque. Este é o primeiro filme em que eles não são monitores, e um breve estudo dos próximos filmes mostra que Jason matou menos monitores de acampamento do que pessoas quaisquer. O personagem mais interessante é Shelly, um loser gordinho com um “afro judeu”. Ele faz muitas brincadeiras em que finge ter sido assassinado, ou se aproxima furtivamente de seus amigos fantasiado de maníaco homicida. Ele quer se encaixar no grupo, e quem sabe se dar bem com seu par de um encontro às cegas arranjado por seu colega de quarto. A presença de Shelly não é inteiramente inoportuna. Ele não tem o visual arrumadinho e bonitinho dos outros personagens, os quais eu achei meio indiferenciáveis, e sua alienação do grupo é usada para sublinhar uma ressonância temática bem específica. Uma das brincadeiras de Shelly envolve o uso de uma máscara de goleiro de hockey. Essa máscara, adivinhe, acaba sendo tomada por Jason e hoje se tornou sua marca registrada. Todos os pôsteres dos filmes posteriores mostram a máscara; Jason a usa por todo o resto da série. Num filme em que os personagens nem se dignam a pronunciar seu nome, é curioso que Jason adote esta pequena lembrança de um de seus mortos para ser sua marca pelo resto da vida (e além).
O deslocado Shelly usou a máscara com um duplo objetivo: para esconder sua odiada aparência, e para se incorporar às vidas das pessoas que ele sente que existem fora dele. Imaginamos que a máscara sirva a um propósito similar para Jason. Eu disse em minha análise de Sexta-feira 13 parte 2 que as mortes têm algo de sexual, por meio do uso de armas perfurantes. Ao mesmo tempo em que acredito que o objetivo disso era principalmente produzir um tom mais misógino e niilista, o paralelo com Shelly parece sugerir que as mortes perpetradas por Jason podem ser uma tentativa de estabelecer intimidade. Assumindo que Shelly seja uma referência a Mary Shelley, e que Shelly é discutivelmente para Jason o que Mary Shelley foi para Frankenstein (ou seja, o criador), talvez esses assassinatos sejam o único jeito que a criatura conhece para se comunicar com o mundo. Imagina-se que Jason tenha vivido sem sua mãe por tanto tempo que essas mortes representam o nível no qual ele consegue manter contato com ela. Ou talvez ele aja movido por compulsão e frustração. A única maneira de Jason obter qualquer tipo de reconhecimento por parte de qualquer um desses jovens é sair por aí matando. Reconhecimento, em lugar de vingança, pode ser o que tanto Jason como sua mãe estivessem buscando o tempo todo. Na mesma linha, tanto Shelly como Jason forçam os personagens a encarar o tipo de feiúra em seus seres que todos tentam ignorar. Shelly se afunda em sua própria falta de jeito, tanto quanto Jason se afoga em sua monstruosidade, um aspecto de valor incalculável que reflete bem a contribuição de Sexta-feira 13 parte 3 para a série.
Há um conteúdo subliminar interessante adicionado ao conceito de Jason e tematicamente de por que ele está matando. A heroína menciona que ela fugiu de casa depois que sua mãe lhe batera. Ela estava dormindo no bosque quando Jason a atacou. Ela acordou no hospital. Seus pais nunca mencionaram nada sobre o ocorrido. A intenção é fazer um paralelo entre o ataque de Jason e o ataque dos pais, cada uma destas entidades no papel de um adulto tentando restringir a liberdade da garota por meios físicos. Similarmente, estas entidades têm sua existência negada pela maioria dos outros personagens. Esta talvez seja uma das primeiras vezes em que um personagem de Sexta-feira 13 apresenta background suficiente para seu encontro com Jason, resultando em algo substancial. No final do filme, a garota tenta enforcar Jason num nó corredio improvisado. Para conseguir se livrar da corda, ele levanta sua máscara e desliza para o chão. Ela vê o seu rosto e o reconhece como aquele que a atacara no passado. Somos levados a acreditar, por isso, que ela investe algo em derrotar Jason: ela não luta apenas por sua vida, ela luta contra a ameaça que seus pais dominadores jogaram sobre ela. Ela está se libertando como adulta e como mulher. Temo que esse aspecto não seja completamente eficaz. O relacionamento parece toscamente mal desenvolvido, e nós não recebemos muita informação sobre o que ser uma adulta significa para a garota, ou até mesmo porque sua mãe lhe batera. É curioso que os realizadores do filme tenham tentado isso.
No departamento “onde eles estão agora”, o ator que fez Shelly, Larry Zerner, hoje trabalha na área de direito do entretenimento! Enquanto isso, a atriz Tracie Savage (a Debbie do filme) é âncora de noticiário no Channel 4 News em Los Angeles e já ganhou um Emmy. Ela foi repórter-chefe de campo no julgamento de O.J. Simpson! Isso é interessante para mim porque Savage está especialmente ruim neste filme, até pelos padrões de atuação de Sexta-feira 13. Debbie é a única mulher que faz sexo no filme (e que quase mostra alguma nudez no sexo e mais tarde no banho) mas embora ela diga que a transa foi “a melhor de sua vida”, ela não parece nem sem fôlego nem cansada depois da experiência. Ou talvez (tapa na testa) seja esse o ponto. É difícil julgar corretamente a atuação nesses filmes porque os atores nunca recebem personagens para interpretar ou coisas para fazer. Mas Savage faz com que você perceba o quão melhores eram os outros veteranos de Sexta-feira 13 em retratar pessoas depois de um suposto orgasmo devastador.
Debbie diz estar grávida, mas parece que Savage esquece disso em sua atuação. Mas, falando sério, acho que talvez seja de propósito. Depois do sexo, seu namorado se oferece para lhe trazer uma cerveja. Ela aceita, mas depois resolve que não quer mais a bebida. Eu suspeito que a personagem de fato tenha se esquecido que estava grávida, mas aí tenha se lembrado de repente. Debbie não parece possuir nenhum tipo de medo ou excitação sobre sua gravidez. Ela trata o assunto de maneira assombrosamente casual. Quando ela é morta, nós não ficamos chocados por causa da humanidade que a gravidez deu à personagem, mas por causa da falta de humanidade. Poderíamos dizer que Jason estava só acelerando as coisas. Que chances poderia ter aquela criança de crescer e se tornar mais do que uma vítima de Sexta-feira 13, quando o ambiente no qual ela/ele nasceria é tão raso e desalmado?
Os hippies no filme se misturam bem aos outros personagens, embora eu não me lembre de nenhuma explicação para a existência deles. Eles parecem velhos o suficiente para ter ido ao Woodstock. No começo do filme, sai fumaça de dentro da van da turma. Eles correm até ela pensando que está pegando fogo, mas é claro que são só aqueles hippies malucos fumando um narguilé. Eco eco! Mais humor maconheiro logo em seguida, quando a polícia começa a seguir a van, com as sirenes soando. Pensando que foram descobertos, os jovens tentam comer o suprimento de maconha. Acontece que a polícia só estava correndo para a cena de uma chacina brutal; o “ah, não...” da turma quando eles percebem que comeram a erva para nada também denota o alívio por não terem sido pegos. A ironia fácil por trás da idéia de que o assassino para o qual eles dão de ombros pode fazer-lhes muito mais mal do que uns policiais procurando por drogas mesmo assim sugere um ar de superioridade em relação às prioridades bobas das vítimas. Elas têm uma visão extremamente limitada do mundo, e vêem a polícia como uma instituição que serve ao único propósito de estragar a sua festa.
No meio do filme, os realizadores apresentam uma gangue de motoqueiros que importuna Shelly e seu par quando eles estão comprando comida no mercadinho da cidade. Shelly acidentalmente derruba as motos deles quando está tirando o carro do estacionamento, então um dos gangsters quebra o vidro de sua janela. Isso tira Shelly do sério, incitando-o a virar o carro e a amassar pra valer as motos. Quando esta mesma cena passou no não-clássico Girl in Gold Boots do Mystery Science Theater, foi para ajudar a estabelecer, em certo nível, a natureza afoita e fora-da-lei do protagonista. Também é esse o ponto em Sexta-feira 13 parte 3, eu acho: Shelly não parece mais tão bobão quando atropela as motos, e fazendo isso ele ainda consegue melhorar bastante a visão que a garota com quem está saindo tem dele. Além de exposição de personagens, a cena não tinha muito propósito em Girl with Gold Boots, já que nunca é mencionada de novo. Na parte 3, ela entra na história. A gangue precisa se vingar do crime, então eles roubam a gasolina do carro de suas vítimas e pretendem tocar fogo no celeiro, acho. Um carro sem gasolina se prova uma ameaça quando você está tentando fugir de um assassino enlouquecido.
As roupas dos motoqueiros da parte 3 são tão elaboradas que a gangue parece se tornar uma construção artificial com consciência disso. Todos usam roupas de couro e têm estampas de caveira nas camisetas. Um motoqueiro está sempre com um cigarro na boca. Quando ele é morto, ele engasga e o cigarro cai de seus lábios ensopado de sangue. Esta morte é quase complementada por outra em que o maconheiro hippie é eletrocutado e solta fumaça pelo corpo. Sua namorada é morta com um ferro de marcar quente e, novamente, mais fumaça. Eles morrem literalmente soltando fumaça (smoking). Piadas assim são mais adequadas em paródias à La Mel Brooks/Keenan Ivory Wayans. Eu não desgosto totalmente do distanciamento e do ódio pelos alvos que esses cineastas mostram em suas sátiras sarcásticas. Mas os filmes de Sexta-feira 13 são uma espécie mais delicada, em que o distanciamento parece mais sutil e direto e, eu acho, mais tocante. Prefiro uma piadinha interna, como quando a personagem sobrevivente adormece numa canoa, assim como a atriz do primeiro filme, e é atacada não por um pequeno Jason, nem pelo Jason mais velho, mas pela mãe de Jason, que devia estar sem cabeça, com seu suéter velho. Essa cena consegue funcionar por si mesma e num nível mais alto, diferente das outras duas.
Mesmo assim, as piadas com fumaça usadas no filme são mais engraçadas e mais sutis do que a maior parte do trabalho de Brooks e Wayans, ainda que não sejam do mesmo gênero. Acho que a parte 3 é um dos filmes menos Sexta-feira 13, não se desvia muito do chão batido. Por mais que seja um filme diferente, ele consegue permanecer mais ou menos a mesma coisa. Gostaria de recomendá-lo aos fãs de Sexta-feira 13 como um prazer culpado, se é que você entende o que quero dizer sem interpretar como duplo sentido. Acho que diz tudo o fato de que, enquanto uma boa parte dos fãs acha esse um dos piores da série, outra parte igualmente grande acha que é um dos melhores. Provavelmente depende bastante da razão pela qual você está assistindo a um filme de Sexta-feira 13, em primeiro lugar. As mortes na parte 3, incluindo as que eu já mencionei, estão entre as mais memoráveis da série. Há outras mortes-piadas. Jason esmaga a cabeça de uma vítima até que o olho salta pra fora em direção à câmera, e o efeito é divertido, quando não obviamente falso. Um personagem está andando com as mãos quando Jason o corta ao meio com um facão. Uma das mortes mais perturbadoras é a da garota com quem Shelly saiu: Shelly havia acabado de assustá-la e de contar que ele tinha que fazer essas brincadeiras, porque senão ninguém o notaria. Ela diz a ele que está enganado e que ela gosta dele. Ele vai embora e ela suspira. Ela pega a carteira dele que caiu no chão e abre, vendo uma foto dele com a mãe. Ela sorri; Shelly é mesmo um cara legal. Então ela derruba a carteira na água do lago (um óbvio símbolo sexual) onde ela está balançando os pés. Enquanto tenta pegar a carteira de volta, ela vê um homem com uma máscara de hóquei. Ela pensa que é Shelly, mas numa segunda olhada percebe que é um estranho. De repente, o estranho ergue um lançador de arpão e atira no olho dela.
O interessante nesta cena é que um relacionamento verdadeiro estava nascendo aqui. Nós até queremos que os dois fiquem juntos. Jason não lhes dá esse refresco, porque ele não está nem aí. Quando mais você se importa com os personagens, mais você percebe que a idéia de se importar com eles é absurda. Por que fazer planos, por que procurar ou pensar no amor, quando você existe somente para ser estripado como um animal? Toda a existência dessa garota não tem mais valor que a existência de um lenço usado. O pensamento é assustador e um tanto trágico. E essa é basicamente a espinha dorsal da experiência de Sexta-feira 13. -Alex Jackson
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