quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Rituais

Ah, nunca consigo me entender com ninguém nesse assunto... Com ninguém que importe, quero dizer. ;)

Eu gosto de rituais. Na verdade, mais do que gostar, eu preciso de rituais. Só que hoje eu me vejo parte de um grupo cada vez mais reduzido. Muita gente acha os rituais desnecessários, quando não uma besteira mesmo. É claro. Hoje a gente comercializa tudo, desmistifica tudo, coisifica tudo. Temos razão de sermos céticos, de desconfiar das intenções de todo mundo. Nosso mundo nunca foi tão material, tão tangível, tão sem mistério. Os rituais que persistem já perderam o significado para aqueles que participam, porque foram criados num mundo muito diferente do nosso. Em conseqüência, são repetidos de forma mecânica, sem envolvimento, sem reflexão. Hoje os rituais são só formalidades a ser cumpridas, ou desculpas pra fazer uma festa.

Mas pra algumas pessoas, como eu, eles ainda significam muito mais. Fazer o quê? Eu sou pisciana, eu gosto de misticismo. =p

Thomas Moore, que escreveu A Utopia, disse que os rituais preservam o caráter sagrado do mundo. E Joseph Campbell acha que a sociedade está desestruturada porque perdeu seus rituais. Falando nele, ficam aí uns trechinhos de um dos livros dele, O Poder do Mito (essencial!), que é simplesmente uma conversa muito legal com o jornalista Bill Moyers.


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MOYERS: E o ritual perdeu sua força. O ritual, que antes representava uma realidade profunda, virou mera formalidade. E isso é verdade nos rituais coletivos assim como nos rituais pessoais, relativos a casamento e religião.

CAMPBELL: Quantas pessoas, antes do casamento, recebem um adequado preparo espiritual sobre o que o casamento significa? Você pode ficar parado diante do juiz e se casar, em dez minutos. A cerimônia de casamento na índia dura três dias. O par fica grudado.

MOYERS: Você está dizendo que o casamento não é apenas um arranjo social, mas um exercício espiritual.

CAMPBELL: É primordialmente um exercício espiritual, e a sociedade deveria nos ajudar a tomar consciência disso. O homem não devia estar a serviço da sociedade, esta sim é que deveria estar a serviço do homem. Quando o homem está a serviço da sociedade, você tem um Estado monstruoso, e é exatamente isso o que ameaça o mundo, neste momento.

MOYERS: O que acontece quando uma sociedade já não abriga uma mitologia poderosa?

CAMPBELL: Aquilo com que nos defrontamos, no presente. Se você quiser descobrir o que significa uma sociedade sem rituais, leia o Times, de Nova Iorque.

MOYERS: E você descobrirá...?

CAMPBELL: As notícias do dia, incluindo atos destrutivos e violentos praticados por jovens que não sabem como se comportar numa sociedade civilizada.

MOYERS: A sociedade não lhes forneceu rituais por meio dos quais eles se tornariam membros da tribo, da comunidade. Todas as crianças deveriam nascer duas vezes para aprender a funcionar racionalmente no mundo de hoje, deixando a infância para trás. Penso nas palavras de São Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios: “Quando eu era criança, falava como criança, compreendia como criança, pensava como criança; mas quando me tornei um homem, pus de lado toda criancice”.

CAMPBELL: É exatamente isso. Eis o significado dos rituais da puberdade. Nas sociedades primitivas, dentes são arrancados, dolorosas escarificações são feitas, há circuncisões, toda sorte de coisas acontecem, para que você abdique para sempre do seu corpinho infantil e passe a ser algo inteiramente diferente.

Quando eu era criança, nós vestíamos calças curtas, você sabe, calças pelos joelhos. E chegava então o grande momento em que você vestia calças compridas. Quando é que eles vão saber que já são homens e precisam abandonar as criancices?

MOYERS: Os adolescentes que crescem nesta cidade – nas imediações da Rua 125 com a Broadway, por exemplo , de onde é que eles tiram seus mitos, hoje?

CAMPBELL: Eles os fabricam por sua conta. Por isso é que temos grafites por toda a cidade. Esses adolescentes têm suas próprias gangues, suas próprias iniciações, sua própria moralidade. Estão fazendo o melhor que podem. Mas são perigosos, porque suas leis não são as mesmas da cidade. Eles não foram iniciados na nossa sociedade.

MOYERS: Rollo May diz que há tanta violência na sociedade norte-americana, hoje, porque não há mais grandes mitos para ajudar os jovens a se relacionar com o mundo, ou a compreendê-lo, para além do meramente visível.

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Se tiver preguiça de ler (uma pena, porque o cara manda muuuuito), fica pelo menos com essa fala:

"O homem não devia estar a serviço da sociedade, esta sim é que deveria estar a serviço do homem. Quando o homem está a serviço da sociedade, você tem um Estado monstruoso, e é exatamente isso o que ameaça o mundo, neste momento."

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