sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Capítulo Final: o alterego.

Tommy Jarvis fingindo ser o pequeno Jason em Sexta-feira 13: Capítulo Final (1984).
Abaixo, Jason sem máscara.

Este é um dos melhores, senão o melhor de todos os filmes da série. Jason encontra seu arqui-inimigo Tommy, um menino que gosta de coisas feias e assustadoras e que tem um surto de loucura depois de fingir ser o Jason criança para matar o Jason verdadeiro. O pobrezinho faz com Jason mais do que Jason fez com as vítimas do filme. É uma cena forte ver um garotinho esfaqueando impiedosamente um homem grande e já morto no chão enquanto grita "DIE! DIE!". Foi muito audacioso. Mas graças a isso Tommy estabelece uma estranha relação com Jason, e nunca se recupera. Jason passa a fazer parte dele, e acho que é isso que todo sobrevivente deve temer.

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Na época em que foi feito, acho que os cineastas pensavam – ou pelo menos queriam que nós pensássemos que eles pensavam – que este seria o último Sexta-feira 13 da série. Eles parecem ter dado o máximo de si, melhorando a qualidade apesar de um orçamento significativamente reduzido desde a parte 3. O cinegrafista de Capítulo Final, João Fernandes, tinha muito mais experiência do que Barry Abrams (Sexta-feira 13), Peter Stein (parte 2) ou Ferald Feil (parte 3). Acho que dá pra notar; comparado com os três primeiros da série, Sexta-feira 13: Capítulo Final parece mais profissional, mais hollywoodiano. Quanto à fotografia, é plausível que surjam dúvidas sobre o profissionalismo de Fernandes: muitos dos filmes que ele fez eram pornôs ou quase pornôs. Ele fez Fantasy com Gerad Damiano e filmes com títulos como The Spy Who Came, It's Not My Body, e Little Girl...Big Tease, sobre os quais muito pouca informação pode ser obtida.

Eu não conheço muito (dane-se, não conheço nada) da pornografia dos anos 70, mas é bem sabido que elas eram feitas como outros filmes independentes. Sabe, com um cinegrafista de verdade e tal. E os filmes de Damiano são considerados entre os mais respeitáveis do período. A questão é que Fernandes fazia filmes de verdade, e muitos. Eu sei que novamente podemos discutir isso, não só porque eu nunca fui exposto ao trabalho de Fernandes, mas em virtude de o inferior Sexta-feira 13 parte 3 ter sido rodado por Gerald Feil, que trabalhou com Peter Brook em O Senhor das Moscas original.

Talvez possamos mais facilmente atribuir a sensação de superioridade do Capítulo Final ao diretor Joseph Zito. Zito não fez muitos filmes, mas a qualidade de sua direção é mais bem articulada ao longo do próprio file do que por qualquer outra experiência prévia. Sua abordagem decididamente se distingue do misticismo encoberto de Sean Cunningham e do humor malicioso de Steve Miner; Jason é seriamente cruel neste filme. Ele não apenas mata suas vítimas, ele as estraçalha.

Muitos vidros são quebrados no Capítulo Final. Se você não é ligado (ou até mesmo se é) em Sexta-feira 13, fica muito repetitivo e estúpido. Primeiro eu pensei que talvez isso fosse simbólico para a virgindade perdida, mas logo encontrei uma explicação mais coerente e viável: o vidro é simplesmente o sopro de vida nas vítimas de Jason. Ele arrebenta janelas de uma vez, com violência, com comoção. É evidência de sua força extraordinária e do determinismo da violência que ele comete. Eu me lembro de ter dito que as mortes na parte 2 de Steve Miner eram feitas com armas perfurantes, o que as sexualizava. No capítulo Final, Jason não tem armas perfurantes. Ele tem facas, particularmente um facão. Ele não o utiliza para fatiar ou picar, mas para apunhalar. O visual é similar ao de carne sendo penetrada, novamente simulando o ato sexual. O que é muito mais perturbador, no entanto, é que dor parece ser a motivação para as mortes. Essas pessoas sofrem de verdade.

Jason mata uma enfermeira sexy e um cara tomando banho em parte amassando lentamente seus crânios.

Uma caroneira é pega pelo pescoço enquanto come uma banana (a banana é apertada, e então cai da casca). Outro cara é crucificado no meio de uma porta aberta e casualmente derrubado por Jason, que arranca suas mãos como se fossem de barro. Há uma morte cortante (e bastante bem documentada por sites de fãs de terror), mas é com uma serra tico-tico. Imagine ter seu pescoço serrado por uma serra tico-tico – não um facão, não um machado, mas uma serra tico-tico (veja abaixo) Se você não fizer careta, ou você já morreu ou é um desses malucos doentes que viu mesmo toda a série Guinea Pig.

Essas pessoas morrem mortes profundamente longas, e Jason consegue aproveitar e acentuar o sofrimento delas. Em filmes anteriores, um corte é feito no corpo e as vítimas sangram até morrer. No Capítulo Final, Jason continua segurando a arma enquanto a vítima se esvai. Isso faz a sexualização da violência muito, mas muito mais perturbadora. As mortes ganham um quê de sadismo. Não apenas a violência deste filme é mais extrema, como também o é o sadomasoquismo.


Há muito mais nudez desta vez, embora não haja sexo de verdade. A ausência de sexo na tela nos leva a aceitar melhor uma certa teoria sobre a série da qual eu vou falar depois. Um dos atrativos da nudez e do sexo é o modo como as garotas não sentem a menor vergonha. Houve uma cena em que uma menina nadava pelada no lago na parte 2, mas era à noite, quando ninguém devia estar vendo. No Capítulo Final, todo mundo vai nadar pelado em plena luz do dia. Mais tarde, uma garota dá um mergulho no lago esperando que seu namorado vá atrás dela. Ele vai, e nós o vemos se despindo antes de mergulhar. O que nos traz a outra questão, de que os filmes de Sexta-feira 13 têm sido com freqüência acusados de misóginos por mostrar um monte de meninas tirando a roupa e morrendo. É verdade que eles tendem a isso, mas nós com certeza vemos nossa cota de garotos de bunda de fora. Há uma cena que eu acho especialmente interessante: um casal está tomando banho, dando uns amassos. Ela sai e diz a ele que vai estar esperando. Enquanto ele termina o banho, Jason vai pegá-lo. Pensando que é seu amigo Teddy, a quem ele considera exagerado ao se gabar de suas proezas sexuais, o garoto brinca que deixou cair o sabonete e convida Teddy para entrar no chuveiro também. Mesmo que o personagem esteja brincando, nós temos sugestão suficiente de que ele e Teddy fazem sexo. Ou, se não fazem, o palco está montado para enxergarmos o personagem num contexto homossexual. Jason o mata, novamente com um pouco de dolorosa violência sexualizada. Temos aqui um garoto que, após dar uma cantada de brincadeira em outro garoto enquanto toma banho, é assassinado. A famosa cena do chuveiro em Psicose era de Janet Leigh sofrendo um “estupro a ferro” de Norman Bates, que só consegue liberar suas frustrações sexuais por meio de assassinato. Similarmente, quando mata o garoto no chuveiro, como no caso de todas as outras meninas que ele já matou, Jason o mata, realmente, com um “estupro a ferro”.

O que é fascinante nesta cena não é tanto o fato de que isso iguala o campo de jogo (ainda tem aquela violência sexual contra as mulheres), mas como também há violência sexual contra homens, os homens são, pois, transformados em vítimas e em alvos sexuais para destruição. O sexo nos filmes de Sexta-feira 13 existe muito mais entre pessoas que estão num relacionamento. Não é o caso do Capítulo Final, em que os pares se formam aleatoriamente por todos os lados. Carregando a tocha de Larry Zerner da parte 3, o Jimmy de Crispin Glover até consegue se dar bem com uma gostosinha que ele acabara de conhecer. Teddy, o alvo da piada do sabonete, tinha explicado a Jimmy que a namorada de Jimmy o havia deixado porque ele era ruim de cama (“dead fuck”). Esta é uma piada corrente no filme, e se existe uma história, ela geralmente gira em torno de Jimmy tentando se redimir.

Bem, ele consegue. Quando ele pergunta à garota com quem transou se foi bom, ela sorri e se esfrega nele sussurrando “você foi incrível”. Depois de dar a Teddy uma calcinha roubada como prova de sua conquista, Jimmy é morto. Claro que isso não parece nem um pouco tão cruel quanto a execução de Zerner/Shelly na parte 3, que continuou um loser virgem e indesejado até o fim. Acho legal que Jimmy reconquiste sua destreza sexual. No entanto, devo notar que o termo “dead fuck” tem significados subliminares que são impossíveis de se ignorar ou negar. “Estar morto” e “foder” são as duas únicas coisas exigidas de Jimmy e para a maioria dos personagens. Eu ia escrever que a caroneira assassinada só existe para morrer, e que ela é inteiramente periférica na história. Como já escrevi vezes e vezes, no entanto, não há história nenhuma, apenas periféricos. Nenhuma dessas pessoas existe por qualquer outra razão além de ser morta.

O Massacre da Serra Elétrica já foi lido como um filme pró-vegetarianismo. Os comedores de carne no filme aprendem como se sente quem está do outro lado do gancho. A idéia é que eles, bem como a platéia, são tratados como animais, e nós temos de reconhecer o que fazemos com animais para comê-los, experimentando o seu massacre. Mas, alguns animais que nós comemos não procriam naturalmente. Nós os criamos de forma que eles não seriam capazes de sobreviver sem nós. Enquanto, numa certa época, vacas, perus e outros existiam por existir, hoje eles chegaram a um ponto em que existem somente para serem mortos e comidos. Esta é a vida de um personagem de Sexta-feira 13. Enquanto em O Massacre da Serra Elétrica nós nos identificamos ou deveríamos nos identificar com os personagens, nós estamos acima deles em Sexta-feira 13. Nós os analisamos objetivamente, não pessoalmente. Jason não é canibal, é claro. Ele também não está caçando esses personagens; não é um esporte. É mais como se as mortes dessas pessoas fosse uma conclusão previsível, uma desculpa para Jason malhar os músculos e se divertir. O filme sugere que Jason está executando vingança contra aqueles que mataram sua mãe e lhe causaram tanta dor – mas isso não parece explicar corretamente a natureza das mortes do filme, pois colocaria Jason no mesmo plano que suas vítimas. Está muito claro que ele é superior a elas.

Na melhor tradição dos filmes de monstro, temos mais evidência de que Jason seja produto do inconsciente, fazendo aquilo que a entidade consciente não pode fazer. O Tommy Jarvis de Corey Feldman é uma criancinha perturbada. Há uma implicação muito forte de que Jason seja uma extensão do inconsciente dele. Tommy vê seus vizinhos adolescentes tarados se vestindo e fica visivelmente excitado. O personagem de Jason poderia então ser o seu jeito de “fazer sexo com eles”. Tommy fabrica máscaras, e convida um jovem garoto (por quem ele sente um tipo de atração garoto/homem adulto) para ir a seu quarto ver as máscaras, onde ele faz um monte de coisas com elas. Isso parece estimular a idéia de que as mortes são uma forma de comunicação entre Jason (como Tommy) e os outros personagens. Tommy é quem finalmente derrota Jason. Ele cria o cenário primeiro raspando a cabeça e se vestido como o pequeno Jason. Quando Jason vê isso, fica visivelmente confuso. Depois de terrivelmente atacar o olho de Jason, Tommy abraça sua irmã, apenas para perceber que os dedos de Jason ainda se movem. Com isso, Tommy se enfurece e esfaqueia Jason com violência. Ele é cruel e louco assim. Embora o filme pareça dizer que agora Tommy está se tornando Jason, Tommy apóia a popular teoria de que Jason pune pessoas por fazer sexo e que os virgens sobrevivem até o fim porque eles são mais parecidos com o assassino, pois continuaram crianças. Esta teoria é brilhantemente ilustrada em Dr. Giggles, de Manny Coto, mas até agora estava difícil de se encaixar nos filmes de Sexta-feira 13. Nenhum dos personagens até Tommy Jarvis tinha muito que oferecer. Eles são melhores como vítimas, veias vazias a serem valorizadas somente porque existem como seres sexuais. De qualquer jeito, suponho que isto seja uma discussão meio “o ovo ou a galinha”.

Corey Feldman e Crispin Glover não eram exatamente astros quando Capítulo Final foi lançado. Respectivamente, Os Goonies e Gremlins e De Volta para o Futuro estavam ainda para sair. Porém, tanto Feldman quanto Glover eram astros-mirins experientes, e são consideravelmente mais visíveis do que muitos de seus colegas de Sexta-feira 13. (Eu argumentaria que Kevin Bacon, do primeiro filme, continua a ser o veterano mais famoso da série.) A presença de ambos os atores, mesmo assim, ajuda a transformar o filme numa verdadeira esquisitice. Glover sofre muito por ser um excêntrico em sua carreira. Ele escreveu e dirigiu um filme chamado What is it?, em que todo o elenco tinha síndrome de Down, e desde então publica um ocasional livro de poesia. Mais notada foi sua aparição vestido como seu personagem de River’s Edge no “Late Night with David Letterman". Aparentemente dentro do personagem, ele lançou um chute sobre Letterman, passando a centímetros de sua cabeça e causando um corte para os comerciais. Você nos convenceu, Crispin: pirou legal.

Glover faz o melhor trabalho entre todos os atores de Sexta-feira 13 até hoje. Eu até fiquei curioso sobre o que ia acontecer com ele no filme. Entretanto, há suspeitas quanto à sinceridade de sua performance, como é devido. A única vez em que Glover abandona sua esquisitice costumeira é quando faz sua hoje infame cena de dança. Ele realmente, apaixonadamente e forçadamente anda pra lá e pra cá em contra-ritmo com a música. É embaraçoso e maravilhoso de assistir.

Juntos, o sexo e a violência intensificados, a abordagem profissional e a força possivelmente não intencional de Corey Feldman e Crispin Glover contribuem para um filme que recompensa os fãs de Sexta-feira 13 por haverem continuado firmes. O Capítulo Final é um grande filme? É uma obra-prima? Cara, essa é uma boa pergunta, mas que finalmente devemos nos fazer, já que este é provavelmente o melhor filme de Sexta-feira 13 possível de ser feito, sem deixar de ser Sexta-feira 13. O Capítulo Final está longe de ser perfeito como uma obra isolada, e infelizmente é assim que eu acho que devemos ver os filmes. Eu prefiro simplesmente dizer que a experiência Sexta-feira 13 é uma das melhores de todas as experiências cinemáticas, com o Capítulo Final sendo um de seus pontos altos. Se você só quiser assistir a uma Sexta-feira, tem que ser esta.

Sexta-feira 13: Capítulo Final começa com uma ótima seqüência dos assassinatos de Jason , editados para compor uma montagem brutal. Vemos praticamente todas as mortes até então. Para os não-convertidos, ela pode parecer tosca e de mau gosto. Para os convertidos, nós a vemos pelo que ela é: uma celebração da vida e além-vida de nosso amado assassino serial, a sexta-feira final. Felizmente, para nós, Jason estaria de volta para mais quatro ou cinco ou mais continuações, chegando até a ir ao espaço sideral. Isso quase me traz lágrimas aos olhos.- Alex Jackson

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Parte 3: Jason define sua identidade

Jason levantando a máscara de hóquei em Sexta-feira 13 parte 3 (1982).
Abaixo, Shelly pedindo ajuda depois de ter sua garganta cortada.

Ah, esse foi o primeiro Sexta-feira 13 que eu assisti... Nossa, como eu tinha medo. Quando Jason tirava a máscara então... argh.

Este é o filme em que Jason consegue a máscara, e dá pra notar que ele se torna um assassino mais confiante com ela. A máscara é de importância vital para que ele mantenha sua auto-estima e confiança enquanto sai matando os pobres jovenzinhos americanos. Isso porque sua aparência era o que o tornava diferente e excluído do grupo, fazia com que ele fosse tímido e não tivesse muitos amigos, agarrando-se assim a sua mãezinha. Sua aparência mostra um homem deformado, um sub-homem, um pária da sociedade. Agora, com a máscara de hóquei, ele pode se sentir superior aos meros mortais e executar sua vingança contra a sociedade que não o aceitou e ainda permitiu que ele morresse. Dá-lhe, Jason.

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Sexta-feira 13 parte 3 tem um tom mais leve e mais bobo do que seus predecessores. Jason, é claro, continua por aí matando adolescentes (ou melhor, adolescentes de espírito), mas o filme quase parece ter esquecido tudo sobre ele. De acordo com a Internet Movie Database, este é o único filme da série em que seu nome nunca é mencionado (exceto em flashbacks da parte 2); eu sei que parece ridiculamente sem sentido reclamar que o filme mostra Jason como nada mais que uma máquina de matar, mas em contraste com os filmes anteriores, isso se torna uma crítica válida. A parte 3 nos dá menos que o merecido no quesito mitologia Jason – e isso é uma ofensa quase inconcebível. Uma crítica no DVD Verdict reclama do excesso do uso de ângulos em primeira pessoa no filme; eu sinceramente não me lembro de muitos desses ângulos, exceto é claro quando as coisas são atiradas contra a tela para explorar a fotografia original em 3-D. (Que eu duvido que seja remotamente eficaz: toda vez que um objeto é empurrado para a frente da câmera, o fundo sai completamente de foco.) A presença de Jason é tipicamente dada pelo ponto de vista das vítimas, e isso também não parece funcionar. Pra completar, os efeitos sonoros de “ki ki ki ch ch ch” parecem estar ausentes. O propósito destes sons era, é claro, nos fazer mergulhar na mente esquizofrênica de Jason/sua mãe. A omissão destes elementos transmite uma mensagem bem clara: isso aqui não é mais exatamente o show de Jason.

O filme não tem um começo muito bom. O prólogo é simplesmente uma longa reprise do final da parte 2. Eles tentam amarrar alguns nós mostrando a única sobrevivente sendo levada para uma ambulância no noticiário da noite, mas nós percebemos que isso é muito desnecessário e que eles só estão tentando esticar a duração do filme. A seqüência inicial mostra os créditos voando em nossa direção. Parece coisa de fita barata, e a música de sintetizador de discoteca – que é, eu confesso, bem legalzinha, mas ainda assim uma música de sintetizador de discoteca – compõe o efeito. Será que eles abandonaram toda pretensão de fazer uma coisa séria?

As duas primeiras vítimas de Jason são o proprietário de uma mercearia, que regularmente rouba petiscos de sua própria loja, e sua esposa dominadora. O marido também esconde animais de estimação, como coelhos e cobras. A esposa, com seu cabelo enrolado em bobes, parece mais jovem do que deveria ser. A mensagem, eu acho, é que esses personagens deveriam ter sido mortos por Jason há anos, quando ainda eram adolescentes tarados. Não consigo imaginar esses dois ainda fazendo sexo. A mulher reprime o apetite do marido por comida, alegando que o médico falou que ele não deveria comer tanto. Ela recusa o prazer pelo prazer, despejando a responsabilidade numa autoridade quase desconhecida e nunca desafiada. A religiosidade da mulher, em certo sentido, não é realmente um senso desenvolvido de moralidade, o que resulta numa falta de senso bem desenvolvido de espiritualidade ou de humanidade. Com isso retornamos à minha observação original de que as vítimas em Sexta-feira 13 não morrem porque alguma força cármica as está punindo por seu hedonismo, mas sim porque elas não têm vidas que valham a pena ser protegidas. Fico deprimido se imagino as vítimas de Sexta-feira 13 não morrendo, crescendo para se tornarem o dono da mercearia e sua mulher, e pensando erroneamente que eles superaram seus anos adolescentes de sexo e maconha, quando na verdade eles simplesmente os trocaram por um tipo diferente de imbecilidade insípida.

Suponho que tudo isso não seja inteiramente sem valor num filme de Sexta-feira 13, mas é meu dever informar que esses personagens acrescentam mais do que encheção de lingüiça. O “resto do filme” envolve seis adolescentes de espírito e dois hippies saindo de férias para o bosque. Este é o primeiro filme em que eles não são monitores, e um breve estudo dos próximos filmes mostra que Jason matou menos monitores de acampamento do que pessoas quaisquer. O personagem mais interessante é Shelly, um loser gordinho com um “afro judeu”. Ele faz muitas brincadeiras em que finge ter sido assassinado, ou se aproxima furtivamente de seus amigos fantasiado de maníaco homicida. Ele quer se encaixar no grupo, e quem sabe se dar bem com seu par de um encontro às cegas arranjado por seu colega de quarto. A presença de Shelly não é inteiramente inoportuna. Ele não tem o visual arrumadinho e bonitinho dos outros personagens, os quais eu achei meio indiferenciáveis, e sua alienação do grupo é usada para sublinhar uma ressonância temática bem específica. Uma das brincadeiras de Shelly envolve o uso de uma máscara de goleiro de hockey. Essa máscara, adivinhe, acaba sendo tomada por Jason e hoje se tornou sua marca registrada. Todos os pôsteres dos filmes posteriores mostram a máscara; Jason a usa por todo o resto da série. Num filme em que os personagens nem se dignam a pronunciar seu nome, é curioso que Jason adote esta pequena lembrança de um de seus mortos para ser sua marca pelo resto da vida (e além).

O deslocado Shelly usou a máscara com um duplo objetivo: para esconder sua odiada aparência, e para se incorporar às vidas das pessoas que ele sente que existem fora dele. Imaginamos que a máscara sirva a um propósito similar para Jason. Eu disse em minha análise de Sexta-feira 13 parte 2 que as mortes têm algo de sexual, por meio do uso de armas perfurantes. Ao mesmo tempo em que acredito que o objetivo disso era principalmente produzir um tom mais misógino e niilista, o paralelo com Shelly parece sugerir que as mortes perpetradas por Jason podem ser uma tentativa de estabelecer intimidade. Assumindo que Shelly seja uma referência a Mary Shelley, e que Shelly é discutivelmente para Jason o que Mary Shelley foi para Frankenstein (ou seja, o criador), talvez esses assassinatos sejam o único jeito que a criatura conhece para se comunicar com o mundo. Imagina-se que Jason tenha vivido sem sua mãe por tanto tempo que essas mortes representam o nível no qual ele consegue manter contato com ela. Ou talvez ele aja movido por compulsão e frustração. A única maneira de Jason obter qualquer tipo de reconhecimento por parte de qualquer um desses jovens é sair por aí matando. Reconhecimento, em lugar de vingança, pode ser o que tanto Jason como sua mãe estivessem buscando o tempo todo. Na mesma linha, tanto Shelly como Jason forçam os personagens a encarar o tipo de feiúra em seus seres que todos tentam ignorar. Shelly se afunda em sua própria falta de jeito, tanto quanto Jason se afoga em sua monstruosidade, um aspecto de valor incalculável que reflete bem a contribuição de Sexta-feira 13 parte 3 para a série.

Há um conteúdo subliminar interessante adicionado ao conceito de Jason e tematicamente de por que ele está matando. A heroína menciona que ela fugiu de casa depois que sua mãe lhe batera. Ela estava dormindo no bosque quando Jason a atacou. Ela acordou no hospital. Seus pais nunca mencionaram nada sobre o ocorrido. A intenção é fazer um paralelo entre o ataque de Jason e o ataque dos pais, cada uma destas entidades no papel de um adulto tentando restringir a liberdade da garota por meios físicos. Similarmente, estas entidades têm sua existência negada pela maioria dos outros personagens. Esta talvez seja uma das primeiras vezes em que um personagem de Sexta-feira 13 apresenta background suficiente para seu encontro com Jason, resultando em algo substancial. No final do filme, a garota tenta enforcar Jason num nó corredio improvisado. Para conseguir se livrar da corda, ele levanta sua máscara e desliza para o chão. Ela vê o seu rosto e o reconhece como aquele que a atacara no passado. Somos levados a acreditar, por isso, que ela investe algo em derrotar Jason: ela não luta apenas por sua vida, ela luta contra a ameaça que seus pais dominadores jogaram sobre ela. Ela está se libertando como adulta e como mulher. Temo que esse aspecto não seja completamente eficaz. O relacionamento parece toscamente mal desenvolvido, e nós não recebemos muita informação sobre o que ser uma adulta significa para a garota, ou até mesmo porque sua mãe lhe batera. É curioso que os realizadores do filme tenham tentado isso.

No departamento “onde eles estão agora”, o ator que fez Shelly, Larry Zerner, hoje trabalha na área de direito do entretenimento! Enquanto isso, a atriz Tracie Savage (a Debbie do filme) é âncora de noticiário no Channel 4 News em Los Angeles e já ganhou um Emmy. Ela foi repórter-chefe de campo no julgamento de O.J. Simpson! Isso é interessante para mim porque Savage está especialmente ruim neste filme, até pelos padrões de atuação de Sexta-feira 13. Debbie é a única mulher que faz sexo no filme (e que quase mostra alguma nudez no sexo e mais tarde no banho) mas embora ela diga que a transa foi “a melhor de sua vida”, ela não parece nem sem fôlego nem cansada depois da experiência. Ou talvez (tapa na testa) seja esse o ponto. É difícil julgar corretamente a atuação nesses filmes porque os atores nunca recebem personagens para interpretar ou coisas para fazer. Mas Savage faz com que você perceba o quão melhores eram os outros veteranos de Sexta-feira 13 em retratar pessoas depois de um suposto orgasmo devastador.

Debbie diz estar grávida, mas parece que Savage esquece disso em sua atuação. Mas, falando sério, acho que talvez seja de propósito. Depois do sexo, seu namorado se oferece para lhe trazer uma cerveja. Ela aceita, mas depois resolve que não quer mais a bebida. Eu suspeito que a personagem de fato tenha se esquecido que estava grávida, mas aí tenha se lembrado de repente. Debbie não parece possuir nenhum tipo de medo ou excitação sobre sua gravidez. Ela trata o assunto de maneira assombrosamente casual. Quando ela é morta, nós não ficamos chocados por causa da humanidade que a gravidez deu à personagem, mas por causa da falta de humanidade. Poderíamos dizer que Jason estava só acelerando as coisas. Que chances poderia ter aquela criança de crescer e se tornar mais do que uma vítima de Sexta-feira 13, quando o ambiente no qual ela/ele nasceria é tão raso e desalmado?

Os hippies no filme se misturam bem aos outros personagens, embora eu não me lembre de nenhuma explicação para a existência deles. Eles parecem velhos o suficiente para ter ido ao Woodstock. No começo do filme, sai fumaça de dentro da van da turma. Eles correm até ela pensando que está pegando fogo, mas é claro que são só aqueles hippies malucos fumando um narguilé. Eco eco! Mais humor maconheiro logo em seguida, quando a polícia começa a seguir a van, com as sirenes soando. Pensando que foram descobertos, os jovens tentam comer o suprimento de maconha. Acontece que a polícia só estava correndo para a cena de uma chacina brutal; o “ah, não...” da turma quando eles percebem que comeram a erva para nada também denota o alívio por não terem sido pegos. A ironia fácil por trás da idéia de que o assassino para o qual eles dão de ombros pode fazer-lhes muito mais mal do que uns policiais procurando por drogas mesmo assim sugere um ar de superioridade em relação às prioridades bobas das vítimas. Elas têm uma visão extremamente limitada do mundo, e vêem a polícia como uma instituição que serve ao único propósito de estragar a sua festa.

No meio do filme, os realizadores apresentam uma gangue de motoqueiros que importuna Shelly e seu par quando eles estão comprando comida no mercadinho da cidade. Shelly acidentalmente derruba as motos deles quando está tirando o carro do estacionamento, então um dos gangsters quebra o vidro de sua janela. Isso tira Shelly do sério, incitando-o a virar o carro e a amassar pra valer as motos. Quando esta mesma cena passou no não-clássico Girl in Gold Boots do Mystery Science Theater, foi para ajudar a estabelecer, em certo nível, a natureza afoita e fora-da-lei do protagonista. Também é esse o ponto em Sexta-feira 13 parte 3, eu acho: Shelly não parece mais tão bobão quando atropela as motos, e fazendo isso ele ainda consegue melhorar bastante a visão que a garota com quem está saindo tem dele. Além de exposição de personagens, a cena não tinha muito propósito em Girl with Gold Boots, já que nunca é mencionada de novo. Na parte 3, ela entra na história. A gangue precisa se vingar do crime, então eles roubam a gasolina do carro de suas vítimas e pretendem tocar fogo no celeiro, acho. Um carro sem gasolina se prova uma ameaça quando você está tentando fugir de um assassino enlouquecido.

As roupas dos motoqueiros da parte 3 são tão elaboradas que a gangue parece se tornar uma construção artificial com consciência disso. Todos usam roupas de couro e têm estampas de caveira nas camisetas. Um motoqueiro está sempre com um cigarro na boca. Quando ele é morto, ele engasga e o cigarro cai de seus lábios ensopado de sangue. Esta morte é quase complementada por outra em que o maconheiro hippie é eletrocutado e solta fumaça pelo corpo. Sua namorada é morta com um ferro de marcar quente e, novamente, mais fumaça. Eles morrem literalmente soltando fumaça (smoking). Piadas assim são mais adequadas em paródias à La Mel Brooks/Keenan Ivory Wayans. Eu não desgosto totalmente do distanciamento e do ódio pelos alvos que esses cineastas mostram em suas sátiras sarcásticas. Mas os filmes de Sexta-feira 13 são uma espécie mais delicada, em que o distanciamento parece mais sutil e direto e, eu acho, mais tocante. Prefiro uma piadinha interna, como quando a personagem sobrevivente adormece numa canoa, assim como a atriz do primeiro filme, e é atacada não por um pequeno Jason, nem pelo Jason mais velho, mas pela mãe de Jason, que devia estar sem cabeça, com seu suéter velho. Essa cena consegue funcionar por si mesma e num nível mais alto, diferente das outras duas.

Mesmo assim, as piadas com fumaça usadas no filme são mais engraçadas e mais sutis do que a maior parte do trabalho de Brooks e Wayans, ainda que não sejam do mesmo gênero. Acho que a parte 3 é um dos filmes menos Sexta-feira 13, não se desvia muito do chão batido. Por mais que seja um filme diferente, ele consegue permanecer mais ou menos a mesma coisa. Gostaria de recomendá-lo aos fãs de Sexta-feira 13 como um prazer culpado, se é que você entende o que quero dizer sem interpretar como duplo sentido. Acho que diz tudo o fato de que, enquanto uma boa parte dos fãs acha esse um dos piores da série, outra parte igualmente grande acha que é um dos melhores. Provavelmente depende bastante da razão pela qual você está assistindo a um filme de Sexta-feira 13, em primeiro lugar. As mortes na parte 3, incluindo as que eu já mencionei, estão entre as mais memoráveis da série. Há outras mortes-piadas. Jason esmaga a cabeça de uma vítima até que o olho salta pra fora em direção à câmera, e o efeito é divertido, quando não obviamente falso. Um personagem está andando com as mãos quando Jason o corta ao meio com um facão. Uma das mortes mais perturbadoras é a da garota com quem Shelly saiu: Shelly havia acabado de assustá-la e de contar que ele tinha que fazer essas brincadeiras, porque senão ninguém o notaria. Ela diz a ele que está enganado e que ela gosta dele. Ele vai embora e ela suspira. Ela pega a carteira dele que caiu no chão e abre, vendo uma foto dele com a mãe. Ela sorri; Shelly é mesmo um cara legal. Então ela derruba a carteira na água do lago (um óbvio símbolo sexual) onde ela está balançando os pés. Enquanto tenta pegar a carteira de volta, ela vê um homem com uma máscara de hóquei. Ela pensa que é Shelly, mas numa segunda olhada percebe que é um estranho. De repente, o estranho ergue um lançador de arpão e atira no olho dela.

O interessante nesta cena é que um relacionamento verdadeiro estava nascendo aqui. Nós até queremos que os dois fiquem juntos. Jason não lhes dá esse refresco, porque ele não está nem aí. Quando mais você se importa com os personagens, mais você percebe que a idéia de se importar com eles é absurda. Por que fazer planos, por que procurar ou pensar no amor, quando você existe somente para ser estripado como um animal? Toda a existência dessa garota não tem mais valor que a existência de um lenço usado. O pensamento é assustador e um tanto trágico. E essa é basicamente a espinha dorsal da experiência de Sexta-feira 13. -Alex Jackson

A ressurreição

A cabeça da mãe de Jason em seu altar especial -- Sexta-feira 13 Parte 2 (1981).

Continuando as análises da série Sexta-feira 13, passamos à parte 2. Este é o único filme que apresenta uma protagonista mais humana, pra mim. Ela não tem a cabeça cheia de vento como seus coleguinhas, possui algumas falas interessantes e se interessa pelo mito do Jason com o respeito que ele merece. Ela é a única disposta a discutir seriamente a probabilidade de haver um assassino de verdade escondido na floresta, e a única que pensa sobre Jason usando um pouco de seus conhecimentos sociopsicológicos. Foi uma boa escolha para a protagonista porque, enquanto ao longo do filme é legal ver Jason matando os outros monitores, no final o legal é torcer por ela quando ela tenta enganar o Jason imitando a mãe dele. Eu realmente quero que ela consiga escapar dele, porque ela é a única que, apesar de não apoiá-lo, tenta compreendê-lo.

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Em Sexta-Feira 13 Parte 2 é Jason, e não sua mãe, quem comanda a carnificina. Com isso, o filme se aparta de suas raízes giallo* , já que o matador não é nem insano nem exatamente humano. Ele é mais como um golem, um mero ser que conhece e compreende apenas destruição. O tom inteiro da série muda neste ponto. Comparado ao original, a Parte 2 é muito mais cruel. Tem um certo senso de humor para consigo mesma. O primeiro também tinha, mas era um humor mais de conteúdo do que de estilo. O diretor Steve Miner incluiu muitas piadas visuais envolvendo ângulos em primeira pessoa. No começo do filme, nós nos escondemos atrás de uma porta, espionando a primeira vítima. Ela vai tomar banho, e nós nos a seguimos até o banheiro. Abruptamente, ela abre a cortina do chuveiro e olha diretamente para nós, para a câmera. Todas essas tomadas são para despistar. De repente, um gato pula pela janela, assustando tanto nós quanto ela. Então ela abre a geladeira e encontra uma cabeça humana. É aí que o assassino enfia um furador de gelo na testa dela: no momento em que a visão em primeira pessoa passa para a visão objetiva em terceira pessoa, é que ela morre. Outra boa sacada passa quase despercebida: a câmera em primeira pessoa filma através dos arbustos, e nós vemos uma garota semi-nua voltando do lago. Depois de se secar, ela atira a toalha contra a lente.

Miner está conscientemente brincando com as convenções do gênero slasher, e ele faz isso de maneira sutil, o que faz com que a brincadeira funcione (eu imagino uma platéia no cinema dando risadinhas de prazer nas cenas supracitadas) sem nos distrair do clima e do suspense do filme. A abundância de ângulos em primeira pessoa faz com que nós nos relacionemos antes com o assassino do que com as vítimas, mais do que nunca. Um de meus momentos favoritos na Parte 2 é quando um dos monitores está contando a dois outros uma piada sobre um coelho e um urso que estão fazendo cocô no mato. Nós ouvimos a piada sendo contada enquanto eles se afastam, e suas vozes se esvaem. Então, na próxima cena, ouvimos a conclusão da piada. Adoro como isso elimina a piada como assunto central da cena. Como assumo que esta cena dos monitores caminhando para longe é apresentada do ponto de vista de Jason, é indiscutível que ela seja mostrada sob sua perspectiva. Quer dizer, porque nós não estamos envolvidos com a piada, porque estamos de fora do assunto, nós nos tornamos incapazes de nos relacionar com as vítimas. Nosso lado realmente é o de Jason.

A perspectiva do Jason-criança-solitária é estabelecida desde a primeira cena. Uma garotinha está saltitando pela rua cantando uma cantiga infantil. Nós só vemos os pés dela. Sua mãe a chama para entrar em casa, e quando ela sai da tela, Jason entra. (Como ele saiu de Crystal Lake para o subúrbio para esta cena? Ninguém sabe com certeza.) A heroína do filme é especializada em psicologia infantil, e no final, ela encurrala Jason vestindo o suéter de sua mãe e dizendo a ele que ela está satisfeita e que ele deve abandonar o facão agora. Sabe, ele é tão pouco desenvolvido cognitivamente que associa qualquer mulher usando aquele suéter com sua mãe, assim como o sobrinho de minha esposa costumava me chamar de papai só porque eu sou um homem adulto. Toda a premissa da série talvez dependa deste artifício em particular. Não fosse assim, Jason seria capaz de diferenciar os monitores do acampamento que o negligenciaram quando ele era criança destes que ele está matando agora. A obediência de Jason para com sua mãe é um assunto espinhoso. Eu não acho que Jason mate monitores porque sua mãe mandou que ele o fizesse.

Tudo que levou sua mãe a matar, em primeiro lugar, foi que ela acreditava que isso era o que ele queria dela. (No primeiro Sexta-Feira 13, uma voz na cabeça dela diz: “Mate-a, mamãe!”) Ao invés disso, eu acho que é mais justo dizer que tanto a mãe quanto Jason são guiados por suas próprias emoções e revolta. A idéia de dissociação como a motivação principal dos assassinos é bastante explorada pelos realizadores dos primeiros filmes de Sexta-feira 13. No primeiro, a mãe acusa diretamente uma vítima de ter sido responsável pela morte de Jason. Mas a idéia de que foi só isso que levou Jason a matar durante mais de nove filmes é um tanto exasperante, quando não ofensiva. É melhor, penso eu, redirecionar as motivações de Jason de um adolescente específico que ele vê constantemente para uma inteira cultura que permitiu que ele se afogasse. Isso não é muito forçado: a mãe diz, no primeiro filme, que ela não permitiria que o acampamento fosse reaberto. Embora isso fizesse mais sentido se ela ao menos parecesse uma pessoa sã, nós conseguimos entender como seria facilmente possível que outro afogamento ocorresse.

Os jovens que Jason e sua mãe matam são hedonistas, plásticos, e completamente livres de preocupação e inteligência. A série me lembra algumas vezes A Máquina do Tempo de H. G. Wells, com os monstruosos Morlocks ocasionalmente capturando um dos belos e infantilizados Elois que eles criavam. Em nenhum momento, nenhum desses adolescentes nem sequer começa a sugerir que eles sejam diferentes disso. Nós conhecemos a única personagem que sobrevive quando ela chega atrasada para a reunião inicial dos monitores, uma negligência da qual ela pode facilmente se safar, já que está dormindo com o monitor chefe. Minha nossa!

Mencionei na análise anterior que uma das vítimas sonha que está chovendo sangue. Era algo próximo de um dos sinais do Apocalipse, e basicamente a menina era burra demais para compreender que aquilo significava o fim de tudo. Sem mencionar, é claro, o simbolismo do dia sexta-feira 13 como a traição e crucificação do Cristo. Na Parte 2, a heroína faz uma curiosa escolha de palavras ao descrever o retorno de Jason dos mortos como uma “ressurreição”. Será Jason uma representação do Cristo? Ou melhor, mantendo a linha apocalíptica, será ele uma figura do Anticristo? Esta não é uma concepção exagerada, na verdade. Embora eu confesse nunca haver terminado o livro, O Idiota de Dostoievski era com certeza uma imagem do Cristo que gostava de se relacionar com crianças. O personagem retardado, John Coffey, em The Green Mile, também era uma óbvia imagem do Cristo (“J.C.”). Vale notar, eu acho, que nós não temos nenhuma informação sobre o pai de Jason. Ele parece quase irrelevante.

É claro que não ignoro que há uma grande incoerência na idéia de Jason como uma representação do Anticristo. Acho que o Anticristo iria querer eliminar o bem e promover o mal. Jason simplesmente elimina os insignificantes. Ninguém em Sexta-feira 13 parte 2 representa qualquer coisa que possa ser interpretada como virtude. Toda a leitura apocalíptica cristã é em si mesmo uma espécie de piada sarcástica. Na medida em que a maldade de Jason reside tanto em sua inocência quanto o bem reside na inocência dos idiotas ao seu redor, chega-se à conclusão de que há ainda menos em sua motivação para os assassinatos do que à primeira vista. No entanto, vale a pena mencionar a interpretação de Jason como uma imagem do Anticristo, porque eu acredito que ela seja sintomática de nosso desejo de nos identificarmos com ele e não com suas jovens vítimas. Aqueles que acham perturbador o modo como os monstros dos filmes modernos – os Jasons, os Freddies, os Chuckies e os Michael Myers – se tornam famosos pela virtude de suas chacinas são os que não assistiram aos filmes: na grande maioria das vezes, os monstros são os personagens mais interessantes e empáticos de todo o filme. No Sexta-Feira 13 original, a morte só aparecia para mostrar o quão insignificante era a vida. A leitura usual de que as pessoas nos filmes de Sexta-feira 13 morrem porque fazem sexo – de que Jason representa uma justiça puritana sobre a usurpação conduzida pela vida adulta (ou seja, depois do sexo “a criança morre”), ou, por extensão, de que ele representa a AIDS (embora eu ache que esses filmes precedem por pouco a doença, principalmente entre a comunidade heterossexual) – é mais convincente neste filme.

Miner parece exalar um ódio muito extremo por mulheres neste filme. É o primeiro filme da série a mostrar qualquer tipo de nudez, mas há algo de mau gosto nessa nudez. Uma garota em especial nos é apresentada num shortinho muito curto e apertado e com uma camiseta bem agarrada aos seios. Mais tarde, ela vai nadar pelada e nós a observamos de longe. Onde, anteriormente, sua sexualidade era acentuada, aqui ela é quase não-existente. Acredito que na primeira cena citada nós a estejamos vendo diretamente sob a ótica de um adolescente excitado, e que na segunda a estejamos vendo da perspectiva do assexuado Jason, em ambas as cenas a garota é extremamente coisificada.

Em From Dusk Till Dawn, o coadjuvante honorário Tom Savini fala sobre como é fácil cravar uma estaca no peito das vampiras prostitutas porque “a carne delas é macia e suculenta”. De fato, os efeitos especiais de Tom Savini acentuam a maciez da carne. Quem pode esquecer da facilidade com que os zumbis em Despertar dos Mortos mastigavam os corpos de suas vítimas? Era de fato nauseantemente tátil. Acho a violência em Sexta-feira 13 parte 2 especialmente sexual, em grande parte graças à maquiagem de Tom Savini. Seu tratamento da carne nos faz pensar em sexo ou, no caso de Despertar dos Mortos, em comida. O corpo é reduzido a um objeto para saciar o apetite. (Compare com algo como a clássica nojeira de Peter Jackson Fome Animal, onde a ênfase é mais nos ligamentos e no pus – a última coisa em que você pensa é sexo e comida.) Não sei bem quem teve a idéia de usar armas perfurantes (um arpão e o furador de gelo, por exemplo) para as mortes, mas essa escolha também sexualiza a violência. Miner parece acentuar o movimento de pressão da arma para dentro da carne. Penetração, em outras palavras.

O conceito de Jason se assemelha, em certos elementos visuais (e talvez num elemento temático), ao de Ed Gein, o vovô oficial da violência sexual. Jason vive num barraco, onde ele mantém a cabeça mumificada de sua mãe, cuja insanidade criou a sua própria. Ele veste roupas interioranas. Nós refletimos que, não fosse o assassino uma entidade sobrenatural como Jason, ele seria uma espécie de maluco solitário. Para ser justo, digo que o filme original tem uma dívida visível para com Psicose, também inspirado em Gein. Dizem que a indumentária de Jason neste filme é uma homenagem a The Town that Dreaded Sundown, de 1976, do autor de Legend of Booggy Creek, Charles B. Pierce. Do que eu vi da obra de Pierce, e pelo que ouvi falar sobre The Town that Dreaded Sundown, há uma vibe caipira sendo canalizada. Eis o que compõe o tom Ed Gein.

Comparado ao original, são esses aspectos que dão a Sexta-feira 13 parte 2 um sabor um tanto mais oco e niilista. A violência é menos mistificada e inevitável do que fetichista e apaixonada. Não posso dizer com certeza se considero isso uma melhora com relação ao original – é apenas algo diferente, mas na mesma veia. O filme termina com uma tomada da cabeça mumificada da mãe de Jason que parece uma capa de álbum de banda metaleira. Bem apropriado, eu acho. - Alex Jackson.

*“Giallo” é um estilo de filme que fez sucesso nos anos 70 e fim dos 80. Havia livros policiais de mistério na Itália que tinham a capa amarela. Quando começaram a produzir filmes sobre assassinos em série sendo perseguidos por espertos detetives, a associação com os livros foi inevitável. Nascia então um novo estilo na cinematografia italiana, chamado “giallo” (amarelo). A maioria dos “giallos” é parecida: sempre existe um assassino em série (que geralmente é mostrado somente no final; durante a projeção vemos apenas suas mãos vestidas com luvas pretas de couro), um detetive que está na cola desse assassino e mortes chocantes, principalmente de mulheres (sempre com cenas de perseguição antes do ato), com exposição total ou parcial de corpos nus. O “giallo” foi muito importante para o gênero do terror. A maioria dos diretores italianos teve sua estréia cinematográfica com “giallos”, produzindo filmes magníficos que sempre exageravam no sangue. Foi tão popular em sua época que chegou a originar o gênero “slasher" (serial killer que persegue adolescentes), tão comum nos filmes de terror dos anos 80 e 90, mas sem o mesmo charme e violência.

sábado, 15 de agosto de 2009

Sobrevivendo

Kevin Bacon e sua garganta perfurada no primeiro Sexta-Feira 13 (1980).

Achei umas análises muito interessantes sobre os filmes da série Sexta-Feira 13, que estou traduzindo do inglês para postar aqui. Jason é meu matador favorito, e infelizmente não é tão respeitado no mundo cult quanto Michael Myers, sua base de inspiração. Está certo que o visual do Michael é muito mais assustador, com aquela máscara branca e inexpressiva, e roupas tão discretas que você só sabe que ele está usando porque não está pelado. Mas eu atribuo a aura superior do Michael ao fato de que, desde o começo, ele é apresentado menos como ser humano e mais como um fantasma, uma personificação do mal. Ele é simplesmente a insegurança, o medo de ficar sozinho em casa à noite. Não à toa, o cenário do Michael é urbano, enquanto o do Jason é rural. Para se encontrar com Jason, uma força maléfica da natureza, você tem que se deslocar até o seu território, sair do seu espaço de conforto. Já para deparar com o Michael, você pode estar em qualquer lugar - até na sua própria casa. Ele vai até você. Você nunca está seguro em sua própria civilização.

Uma coisa que essas análises me ajudaram a esclarecer é a razão pela qual é tão divertido ver as pessoas morrendo nos slasher movies tradicionais. Não é porque elas fizeram coisas erradas e agora estão sendo punidas - elas, na verdade, não fizeram NADA de errado, na grande maioria das vezes. É, sim, porque elas são pessoas inúteis, estúpidas, vazias. Pessoas que vivem na inércia. São adolescentes tão concentrados no próprio umbigo, tão certos de que o único propósito da vida é o prazer irresponsável, que são incapazes até de impedir que uma criança se afogue, porque estão ocupados demais fazendo sexo sem sentido.

Também é reconfortante assistir a um desses filmes e ver que Jason está matando AQUELES adolescentes idiotas, e não você. Os personagens são tão caricatos que você não se reconhece neles - ainda bem. Não é você o ser humano tão bestial que se transforma em mero pedaço de carne aos olhos dos outros. Não é você que está desperdiçando seus últimos minutos com diversões tolas, ignorando a chegada do assassino. E, mesmo que você se reconheça naqueles adolescentes, na vida real é muito improvável que um assassino venha te punir simplesmente por viver uma vida tão banal, não é?

Viver?

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"Você acha que consegue sobreviver ao verão?"
"Eu acho que nem consigo sobreviver a esta semana."


Basta uma olhada nos adolescentes da Sexta-Feira 13 de Sean S. Cunnignham para notar que eles são deslocados, que não possuem religião nem identidade. Superficiais, opacos, eles não têm nenhum passado e também não têm nenhum futuro. Sua existência é inteiramente efêmera e sub-desenvolvida. Suas vidas consistem somente de maconha, sexo e trabalhos de verão. Nós sabemos que eles estão falando sobre a vida na citação acima – vida como um processo biológico que chegará a um final abrupto para a maioria deles até o final da semana, se não até o final do verão. Eles pensam que estão falando apenas sobre trabalho e tédio.

Ninguém no filme parece ter uma etnia específica, e isso é apropriado. Essas pessoas são produto de uma cultura sem raízes. A melhor sacada do filme é que os adolescentes de 1958 sejam genericamente indistinguíveis destes de 1980. Os jovens em Sexta-Feira 13 estão extremamente entediados; o tempo não consegue passar rápido o suficiente. No filme, eles nadam, cantam e jogam Strip Monopoly (versão do jogo Banco Imobiliário em que você paga com suas peças de roupa) – há um anti-intelectualismo agressivo neles, e por causa disso um anti-espiritualismo. Uma garota fala com o namorado sobre um sonho que teve: “estava chovendo muito forte e o som era como pedrinhas caindo. Eu tapei os ouvidos com as mãos para tentar bloquear o som. Então a chuva se transformou em sangue.” O Livro do Apocalipse 8:7 fala sobre “granizo e fogo se misturando a sangue e caindo na terra.” Apocalipse 8:8 narra um terço do mar se transformando em sangue. Nós conseguimos reconhecer o sonho como uma espécie de visão do Apocalipse; Cunningham repetidamente mostra uma nuvem negra encobrindo a lua cheia, uma imagem que poderia se referir ao Apocalipse 8:12, em que um terço da lua, do sol e das estrelas é encoberto. Mas, obviamente, os personagens estão cegos a isso. Nem a garota nem seu namorado têm a menor idéia de que o que ela viu é uma mensagem de Deus dizendo que o fim está próximo.

Continuando as referências bíblicas, perceba o título: Sexta-feira 13. Sexta-feira foi o dia da Crucificação, e treze é o número de Judas (Jesus mais doze apóstolo soma treze). É claro, o Cristo morreu na cruz pelo bem da humanidade – e não podemos dar a nenhum dos personagens esse tipo de mérito. Além de sua significação religiosa, a piada em fazer o filme se passar numa sexta-feira é que, oi, sexta é o começo do fim de semana. Os personagens entendem a data, bem como o próprio Acampamento Crystal Lake, como um símbolo de tempo de lazer, e não como a personificação do mal ou qualquer outro significado mais pesado. Perto do fim do filme, a Sra Voorhees lamenta sarcasticamente a morte dos garotos: “tão jovens, tão bonitos”. O falso sentimento do diálogo transmite adequadamente a verdade de que a vida de alguém não é preciosa só porque esse alguém é jovem e bonito. O gênero slasher, a idéia de um matador sistematicamente massacrando todos os personagens exceto um, restabelece, com efeito, o fato da mortalidade desses personagens – e sublinha a frivolidade com que eles desperdiçam a vida.

Os assassinatos na série Sexta-feira 13 já foram caracterizados como trabalho do id descontrolado, e a figura de Jason (ou, eu acho, de sua mãe) como sendo animalesca e amoral. O filme às vezes se inclina a essa interpretação. Um policial conta ao administrador do acampamento que todos os lunáticos saem às ruas nas noites de lua cheia. Como já mencionado, a lua cheia aparece freqüentemente na tela. Forças naturais, biológicas, envolvendo a natureza animal do assassino, prevêem as mortes. Os assassinatos também costumam ser explicados como o superego descontrolado, punindo adolescentes excitados por sentirem excitação sexual. Às vezes a interpretação abarca as duas explicações, com o matador representando os desejos sexuais inconscientes da virgem sobrevivente, agindo simultaneamente como seu próprio desejo e punindo aqueles que são menos reprimidos. Eu sinto que nada disso se encaixa muito bem neste filme em particular. Tanto virgens como os sexualmente ativos são mortos aqui. A garota sobrevivente talvez seja virgem, mas com o tempo percebemos que ela também pode não ser, e o garoto por quem ela está apaixonada se dá mal. Parece não haver muita razão para que eles morram. Eles morrem, eu suponho, porque não produziram uma vida que valha a pena proteger. Eles não significam nada. A motivação do assassino, quando revelada, se mostra absoluta independentemente das ações das vítimas. A psicologia da motivação se torna francamente mais inconseqüente, porque todo o drama tem lugar num vácuo.

Sexta-feira 13 é um filme tranqüilo e minimalista. O crítico de horror e acadêmico Mike Bracken o descreve como “preguiçoso”. Isso é uma crítica um tanto parcial, e acho que Bracken quis que fosse. A preguiça não tem o vigor, a natureza estimulante de um filme realmente bom. Mas ainda tem sua própria estética. O filme possui uma espécie de niilismo que só se pode encontrar num vácuo – poesia ou esperança verdadeiras são incapazes de chegar aqui. Há alguns momentos transcendentais, incluindo uma cena antes do sexo com uma garota simplesmente deitada na cama de calcinhas, onde há um considerável erotismo. A música de Harry Manfredini parece imitar a trilha de Psicose de Bernard Herrmann, mas a dissonância raivosamente psicótica é especialmente fascinante e poderosa quando assume uma nota de sombrio ressentimento na seqüência da canoa, no final. Ela consegue ser melosa, mas intencional e friamente não-convincente. A seqüência termina com um apodrecido menino Jason puxando a heroína para a água. O filme então corta para revelar que isso foi apenas um sonho. Cunningham acrescentou essa brincadeira durante a produção, acatando a sugestão do artista de maquiagem Tom Savini, que por sua vez roubou a idéia de Brian de Palma, em Carrie, a Estranha. Em ambos os filmes, o efeito é barato, insensível e cruel. Ele nos leva – e a heroína – a desenvolver uma espécie de paz e até mesmo de empatia para com o monstro com quem ela esteve lutando. Em Carrie, o argumento é que Carrie é e sempre foi um monstro “comedor de cocô”, e que Amy Irving é uma tola por pensar o contrário. Da mesma maneira, quando a heroína de Sexta-feira 13 expressa preocupação de que Jason ainda esteja lá, nós percebemos, pelo seu sonho, que ela pergunta pelo menino não por empatia, mas porque ela percebe que há outro monstro solto lá fora, expondo todos ao perigo.

Eu já sugeri, sem muita sorte, que Plano 9 do Espaço Sideral fosse uma sátira. (Não é sátira se você não fez com a intenção de que fosse, me disseram.) Meu argumento é de que os heróis em Plano 9... são objeto de ridículo: eles são chatos e muito pouco inteligentes. Os melhores personagens estão na periferia – os vilões e aliens são mais interessantes e, ao final, mais simpáticos. Sexta-feira 13 funciona do mesmo modo. O filme ganha um sopro de vida quando Betsy Palmer entra em cena como a Sra Voorhees. É verdade que ela é artificial, exagerada e claramente insana. A personagem convida às piores risadas do filme: sua aparência de Tammy Faye Baker, seus lábios brilhantes e dentes brancos tornam difícil para a audiência se relacionar com ela desde o primeiro momento. E isso se torna quase impossível quando ela começa a falar consigo mesma, particularmente quando faz sua “voz de Jason”. Sua performance é quase barroca, como se ela fosse vinda de um outro filme. Mas é viva! O filho da Sra Voorhees se afogou porque os monitores do acampamento estavam muito ocupados transando quando deviam estar vigiando o menino. Isso fez com que ela se tornasse determinada a executar sua vingança e a manter o acampamento fechado. Há algo trágico e irônico no fato de que ela fez de sua vida a tarefa de vingar a morte do filho matando monitores. Enquanto a maioria dos monitores aparentemente aceita o trabalho de monitor somente porque precisa de um bico para o verão, emocionalmente ela investe muito mais em matar suas vítimas do que qualquer uma delas investe em viver. – Alex Jackson.

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A resenha original em inglês pode ser lida aqui.

Mulher de sorte

Sabe a Katherine Heigl? Essa aí da foto? Que tá no Grey's Anatomy? E que faz comédias românticas, tipo 27 Dresses (Vestida pra Casar)...


...Knocked Up (Ligeiramente Grávidos)...


...a Noiva de... HEIN? o.O


A Katherine Heigl já teve a sorte e a honra de pegar o Chucky no colo???
*quebra tudo*
Ela não merece!!!! XO

*Assiste ao making of da Noiva de Chucky*

Katherine Heigl: Eu acho o Chucky muito sexy! De um jeito... doentio... e perturbado.

...

Ah, então tá.^^

Olha ela aí felizona na premier do filme, láááá em 1998...

É... algumas pessoas têm muita sorte...

Drag me to Hell

Ontem eu fui ao cinema assistir a "Arrasta-me para o Inferno" ("Drag me to Hell", poster aí em cima, click para ampliar). Não podia deixar de conferir esse filme, já que o diretor é o Sam Raimi. Sim, o mesmo de Homem-Aranha. Talvez você não saiba, mas antes de ser um diretor popzinho, ele fazia filmes (trash) de terror. É sempre bom saber que um diretor não abandona suas origens, mesmo quando a fama bate à porta. E o Sam não abandonou as dele MESMO! Drag me to Hell é um daqueles filmes B que assume com orgulho sua essência trash.

Sinopse, de acordo com o próprio Sam: 'É a história de uma mulher, Alison Lohman, que está muito apaixonada pelo personagem de Justin Long. Ela faz uma escolha pecaminosa para estar com o homem que ama e acabará pagando o preço disso. Passa a carregar uma maldição e se, em três dias, ela não descobrir como se livrar dela, será arrastada para o inferno, por um demônio'.


Agora, antes de falar bem do filme, deixo avisado que Sam Raimi não é pra todos os gostos. Ele tem um estilo inconfundível, com uma estética altamente trash. Seus filmes costumam ser criativos e ousados, fugindo do previsível e do convencional. Nada daquele terror comportadinho, sustos fáceis, monstros discretamente assustadores ou sutilezas do tipo. Sam Raimi é HARDCORE!

Eu, particularmente, ADORO como ele não tem medo de extrapolar nas cenas de horror. Enquanto um diretor mais comedido idealizaria "algumas gotas vermelhas caem sobre o papel e, quando o chefe olha para ela, vê que o nariz da protagonista está sangrando lentamente...", a visão do Sam é: "algumas gotas vermelhas caem sobre o papel e, quando o chefe olha pra ela, O NARIZ DA PROTAGONISTA JORRA LITROS DE SANGUE NA CARA DELE NUM JATO INCONTROLÁVEL!!!!" Tudo de bom!!!! XD

E dá-lhe vômito, vermes, pus, sangue, monstros, pessoas possuídas dançando no ar... Aliás, por falar em possessão, Sam Raimi parece gostar do tema. The Evil Dead ou, porcamente traduzido, A Morte do Demônio, é um dos filmes de terror mais famosos da história (não conhece??? tudo bem, só é famoso entre os amantes do trash...), e é justamente sobre um garoto que precisa enfrentar seus próprios amigos, que foram possuídos por demônios sádicos e grotescos. Como uma imagem fala mais do que mil palavras...


Já sentiu a vibe do filme, né?

O problema é que, como nenhum grande estúdio botou fé na idéia do Sam, ele teve que se virar pra fazer a fita, com um orçamento de, calculo eu, cinco reais e quatorze centavos. Os recursos são tão parcos, mas tão parcos, que você não sabe se ri ou se sente medo. Mas uma coisa é certa: ninguém passa incólume por esse filme.

Felizmente, agora que tem moral, o Sam pode contar com orçamento suficiente para não provocar humor involuntário. Isso não quer dizer que em Drag me to Hell não haja momentos tão bizarros que chegam a ser engraçados, mas aí é proposital. E, mesmo com cenas em que você não pode evitar de rir, o clima de terror e suspense continua forte.

Os efeitos especiais são decentes, a trilha sonora é ótima e favorece MUITO na criação de clima, a história é simples mas interessante, o filme é coeso e bem ritmado. Já o elenco... tem seus altos e baixos. A protagonista, Alison Lohman, é muito fraquinha. Não convence mesmo. Já o Justin Long, namorado dela na história, está excelente. O cara dá um show de interpretação. Na cena final, então... pago pau pra ele.

Avaliação final: um filme muito bom, cheio de personalidade, ótimo entretenimento para fãs do terror que, como eu, se ressentem da falta de criatividade das produções atuais. Valeu, Sam!^^

Site do filme.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Enquanto isso, na vida real...









(Click nas imagens para aumentá-las.)

Eu sei o que você está pensando. Eu também já disse que queria chegar aos 50 anos com o corpo da Madonna. Claro que, se eu soubesse que ela tinha o corpo de um cadáver musculoso (e siliconado), nunca teria desejado isso.
É triste, mas nossa cultura deforma seus ídolos.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Hora do Pesadelo


Galera, já que tô no embalo, olha aí o poster do novo A Hora do Pesadelo!!!! (Click pra aumentar)
Muito da hora!!! Infelizmente o Robert Englund não será mais o Freddy (sacrilégio), passando o papel para Jackie Earle Haley. A data prevista pra lançamento é 16 de abril de 2010. Welcome to my world, bitch!

Jennifer's body

A Megan Fox é a gostosa da vez? Sei lá, eu não acho ela nada demais. Mas ela tá num filme que eu não perco por nada nesse mundo!!! Olha aqui o viral.

E olha aqui o site do filme. Passa lá pra ver o trailer, é muito bom! XD

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Monstros modernos


Não dá pra falar de mitos modernos sem lembrar de... FILMES DE TERROR!!!! X3

Como não??? Os filmes de terror, principalmente aqueles com seqüências infinitas, são responsáveis pela consolidação de toda uma série de novos monstros mitológicos. Ogros, bruxas, dragões, duendes se transformaram com o tempo nos maníacos sobrenaturais do cinema. Vai tentar se enganar que não? Quando você está sozinho em casa, no meio da madrugada, e bate aquele medinho inexplicável, você imagina o que te espiando pela janela? Talvez um gigante com máscara de hóquei, ou um homem todo queimado com unhas afiadas... Quem sabe você até olhe pra sua sala de TV e pense numa garotinha molhada com o cabelo na cara... Ou talvez você tenha medo de topar com um boneco ruivo de macacão colorido no corredor AAAHHH!!!! Atire a primeira pedra quem nunca na vida temeu essas figuras!

Tá certo, hoje já somos crescidinhos e até rimos assistindo a esses filmes... Mas isso não muda o fato de que esses são os nossos monstros atuais, parte integrante do nosso imaginário, cada um com sua história assustadora que adquiriu para nós o status de mito.

Senão, vejamos:

Michael Myers
No primeiro Halloween, as crianças pensam que se trata do Bicho-Papão. Até o roteiro do filme se refere a ele com o respeito de um símbolo poderoso: chama-o de The Shape.

Michael Myers é o primeiro dos grandes serial killers do cinema. Nasceu em 1978, com seu primeiro filme, filho de uma família normal da cidadezinha de Haddonfield. Numa noite de Halloween, o menino de 6 anos, vestindo uma fantasia e uma máscara de palhaço, pega uma faca na cozinha e mata sua irmã mais velha, Judith Myers. Quando seus pais chegam em casa de uma festa e o encontram do lado de fora, retiram sua máscara para encontrar um menino de olhar perdido e vazio.

Michael é mandado para um manicômio, e quem assume seu caso é o Doutor Loomis. Ele é o Doutor Jekyll deste Mister Hyde, o contraponto ao ódio insano e frio do Bicho-Papão, a única pessoa que mantém um relacionamento íntimo com Michael, e que por isso pode se comunicar mais profundamente com ele. O Dr. Loomis tem as melhores falas do filme:

"Eu o conheci há quinze anos. Disseram-me que não havia mais nada. Nem razão, nem consciência, nem entendimento, nem mesmo a mais rudimentar noção de vida e morte, bem e mal, certo e errado. Eu conheci um menino de seis anos, com um rosto pálido e sem emoção, e os olhos mais negros... os olhos do demônio. Passei oito anos tentando chegar a ele, e então mais sete tentando mantê-lo preso, porque percebi que o que vivia por trás daqueles olhos era pura e simplesmente... o mal."

A motivação de Michael é encontrar e matar sua irmã mais nova, Laurie, ou Jamie Lee Curtis. =p E quando ele descobre que ela teve uma filha, esta também passa a ser perseguida. Por quê? Bem, porque sim, ora. O bom de ser mau é não ter que dar explicações.

Com o tempo e as seqüências, Michael acabou virando um assassino indestrutível, muito parecido com seu subproduto mais famoso...


Jason Voorhees

Esse é o dono de uma das maiores séries do cinema, se não for a maior. São onze filmes - doze se você contar Freddy vs Jason. Tá que no primeiro filme ele não mata ninguém e só aparece no final, ainda menino, pra puxar a Alice pro fundo do lago.


Mas isso não tira a moral do homi! Jason cresce e aparece no segundo filme, e no terceiro consegue a máscara que hoje é símbolo de serial killer matador de adolescentes safadinhos.

Jason assombra as cercanias do acampamento de Crystal Lake. Se você for um jovem monitor querendo aproveitar que as criancinhas ainda não chegaram pra pegar aquela outra monitora gostosa... já elvis. Você será inevitavelmente morto por um facão/machado/martelo/flecha/arpão/tesoura de jardineiro/cornetinha de plástico, ou qualquer outra coisa em que o Jason consiga por a mão.

O mito de Jason começa com sua mãe, Pamela, que enlouquece após descobrir que seu único filho morreu afogado no lago enquanto os monitores se distraíam transando no matinho. Jason devia ser vigiado o tempo todo. Nunca ficou claro se ele também era retardado ou apenas fisicamente deformado, mas o fato é que ele não sabia nadar muito bem. Com a morte do filho, a Sra Voorhees passa a matar todos que puserem os pés no acampamento de Crystal Lake. E, quando ela é morta por uma das garotas, Jason sai do lago e assume a tarefa.

O elo mãe-e-filho nesta história é tão forte que eles nunca estão realmente separados. A Sra Voorhees incorpora a voz do filho morto em sua cabeça, e repete suas falas em tom infantil: "mate-a, mamãe, mate todos eles". A propósito, a faixa-tema de Sexta-Feira 13, "kikiki... hahaha..." é nada mais que a frase "kill her, mommy" jogada numa máquina de eco e fading. ;) A morte da mãe inverte os papéis, e agora é Jason que ouve e obedece a voz interior de sua mãe: "kill for mother, Jason". Dessa forma, mãe e filho acabam sendo um só. É um caso de amor edípico fora de controle, com uma mãe forte, influente, severa, mas amorosa, e um filho dedicado, cegamente obediente e dependente de aprovação.


A série Sexta-Feira 13 (que, por sinal, se refere ao aniversário do Jason, 13 de junho de 1946) lançou os padrões pra todos os filmes de serial killer que se seguiram, com poucos lampejos de criatividade, entre eles...

Freddy Krueger
O mais popzinho dos assassinos sobrenaturais, o homem dos seus sonhos. =p Criado por Wes Craven, depois que o diretor leu uma notícia sobre crianças na Índia que estavam morrendo após sofrer pesadelos horríveis, Freddy entrou imediatamente para o rol dos assassinos cultuados.

Nascido de uma freira estuprada por 100 loucos perigosos (a concepção é mitológica ou não é? XD), Krueger era um operário que gostava de torturar e matar crianças., com um leve toque de pedofilia. Sim, um monstro que come criancinhas. =p Ele foi preso e liberado por falta de provas, mas os pais da vizinhança fizeram justiça com as próprias mãos, trancando-o num galpão e queimando-o vivo. Agora, Freddy aparece nos sonhos dos filhos daqueles que o mataram. O inconsciente é seu território: ele cria seu pesadelo, e se te pega dentro dele, você morre também na vida real. Essa premissa favoreceu muitas cenas perturbadoras e mortes criativas, como quando Freddy suga o ar de dentro de uma asmática e a deixa murcha feito uma boneca inflável, ou quando as pessoas morrem afogadas no chuveiro, ou quando Johnny Depp é engolido pela própria cama no primeiro filme... (O quê? Não sabia? O Freddy mata até o Johnny!)

Agora, como você espera se safar de um maluco com garras afiadas quando está DORMINDO? Pois é. Sua única chance é tentar controlar o pesadelo, mas eu, pelo menos, sou uma inepta nisso, assim como, penso, a maioria das pessoas. Você pode até tentar ficar acordado, deixar a TV ligada, tomar café, se beliscar, mas não tem jeito: uma hora você vai dormir, e nessa hora o Freddy vai te pegar.

Interessante notar que todos os jovens que Freddy assombra sofrem relacionamentos disfuncionais com seus pais. Não raro, a mãe da personagem principal é ausente e alcoólatra. Os pais não acreditam nos filhos, prendem-nos em casa, não aprovam suas decisões ou amizades... E são esses os mesmos pais que no passado resolveram livrar seus filhos da ameaça do assassino de criancinhas, criando assim um perigo muito pior... Um perigo que agora vive dentro da cabeça desses mesmos filhos.

Freddy tem uma personalidade forte, e é um dos únicos serial killer monstros que fala. É comum usar de sua boca suja pra aterrorizar suas vítimas em outro nível, o da violação sexual. Chamar as garotas de "bitch" é de praxe. Mas também acontecem línguas nojentas saindo pelo bocal do telefone para lamber a boca da vítima, rasgação de camisolas e, é claro, a ameaça medonha daquelas unhas deslizando por entre pernas despidas... Pois é. Se nem Jason nem Michael aprovam o modo de vida sexo-drogas-e-rock'n'roll de suas vítimas, Freddy é o primeiro a quebrar o tabu e ir além. O monstro mais homem de todos.

Por último, não posso deixar de falar do meu querido...


Chucky

Ah, a infância! Aurora da minha vida, minha infância querida, que os anos não trazem mais... Você TEM que assistir a esse filme quando é criança. Sua vida muda, seu quarto muda, seus brinquedos assumem uma aura que você até então ignorava... Qualquer coisa pode ser ameaçadora, no escuro do seu quarto... Principalmente coisas com olhos.

Charles Lee Ray, vulgo Lakeshore Strangler, é o notório criminoso que mata pessoas em rituais de vodu misteriosos. Tudo bem, isso é até interessante, mas ele seria só mais um serial killer sem grande destaque no imaginário popular, se felizmente não tivesse sido baleado por um policial numa perseguição, entrado numa loja de brinquedos e transferido sua alma para o corpo de um boneco sucesso de vendas. Agora sim!

Chucky (seu apelido carinhoso) é encontrado nos destroços da loja por um mendigo, comprado por uma mãe de classe média que trabalha demais e recebe de menos e dado como presente de aniversário ao pequeno e solitário Andy Barclay. O universo concebido pelos criadores deste filme é opressor: a cidade grande é escura, suja, barulhenta e decadente. A família de Andy consiste em sua mãe cansada e infeliz. O único conforto do pobrezinho é se apegar ao Good Guy (Bonzinho), personagem animado de uma série de TV que atende aos chamados das crianças tristes e solitárias, descendo de um balão no céu para lhes fazer companhia. Não à toa, o que Andy mais deseja na vida é um boneco do Bonzinho. Ele até fala! E o de Andy nem precisa de pilhas!

Um boneco possuído por um serial killer que tenta passar sua alma para um menininho indefeso. A história é bizarra, mas é criativa. E o Chucky virou ícone cult, graças a sua personalidade marcante, seu visual infantil e bizarro, sua expressividade e, é claro, sua voz insubstituível, feita pelo inigualável Brad Dourif. [fangirl mode] Chucky é ídolo!


Geeeeente, eu tenho que ter essa edição de aniversário de 20 anos!!! Olha como o Chucky tá ph0da na capa!!!! Amei!!!!

Hoje, Chucky pode ser mais engraçado que assustador, mas, no início, muita gente teve medo dele. O lançamento do filme causou uma onda de paranóia, alimentada mais ainda pela idéia de jerico que tiveram de comercializar o boneco Bonzinho (wtf? Tá certo que eu compraria, mas...).

Trivia: o nome Charles Lee Ray é formado a partir dos nomes de outros três serial killers da vida real: Charles Manson, Lee Harvey Oswald e James Earl Ray.

Chucky sendo assustador:





Chucky sendo lindinho!!!!





É muita fofura pra um boneco possuído homicida só!!!

[/fangirl mode]

Caham.

E esses foram alguns dos nossos mitos do terror modernos.

A Bela, a Fera e o Amor


Uma vez, quando eu tinha meus 15 anos e lia revistas teen (importadas, veja bem, porque meu pop era britânico =p) eu li uma entrevista com o Stephen do Boyzone (lembra desse??? XD) em que ele disse que uma de suas coisas favoritas na vida eram os filmes da Disney. E continuava falando algo assim: "Eu amo Disney. Todo mundo ama Disney. Quem diz que não gosta de Disney está mentindo."

Eu pensei: não é que é mesmo?

Observe que ele não estava falando da corporação Disney -- essa é de praxe odiar, né? XD Ele se referia às histórias contadas pela Disney, às animações que fizeram a nossa cabeça quando éramos crianças em busca de referências para estar no mundo. Nesse aspecto, eu realmente não acredito em ninguém que disser que não gosta de Disney!

Mas, então, por que será que esses filmes exerceram tanto fascínio? Dica: post anterior.

As histórias que a Disney escolheu para compor seus clássicos filmes são histórias consagradas pela humanidade, mitos ancestrais que, com o tempo, foram se incorporando à cultura universal.
Na introdução de uma coletânea de contos de fadas da Jorge Zahar, Maria Tatar diz assim: "Quer tenhamos ou não consciência disso, os contos de fadas modelaram códigos de comportamento e trajetórias de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que nos forneceram termos com que pensar sobre o que acontece em nosso mundo".

O ilustrador britânico Arthur Rackham diz que os contos de fada se tornaram "parte de nosso pensamento e expressão cotidianos, e nos ajudam a moldar nossas vidas". Segundo ele, com certeza "estaríamos nos comportando de maneira muito diferente se Bela não tivesse jamais se unido à sua Fera..."

Mas, como disse o Joseph Campbell no post passado, o nosso mundo ficou muito diferente desde a criação desses contos, e foi necessária uma adaptação aos nossos valores atuais. Acho muito interessante como a Disney fez isso pra gente.

Vou usar como exemplo a história do meu filme favorito, que é exatamente... a Bela e a Fera. =)

A versão mais conhecida dessa história foi escrita na França por Madame de Beaumont, em 1756, para uma revista feminina. Na introdução ao conto original, Maria Tatar conta que "praticamente todas as culturas conhecem a história da Bela e a Fera e as diferenças que as duas personagens são obrigadas a harmonizar prar se unirem em matrimônio. A Bela e a Fera foi celebrada como a história exemplar do amor romântico, demonstrando seu poder de transcender as aparências físicas. Sob muitos aspectos, porém, é também uma trama rica em oportunidades para a expressão das angústias de uma mulher com relação ao casamento, e é possível que tenha circulado em certa época como uma história para aplacar os medos de moças que se viam obrigadas a casamentos arranjados com homens mais velhos."

Era uma vez um rico negociante que tinha três filhas. As três eram muito bonitas, mas a caçula (sempre a caçula!) era a mais bela - e por isso passou a ser chamada de Bela.
As irmãs da Bela se achavam muito por serem ricas. Só queriam andar com gente chique e todos os dias iam pra balada, que naquela época eram bailinhos e teatro. Já a Bela preferia ficar em casa, lendo seus livros.

Até aí, a Bela original está bem parecida com a Bela da Disney - bonita, simples, inteligente e curiosa. Apesar de a Bela da Disney não ter irmãos, ela é estranhada pelo povo de sua aldeia. Além disso, seu pai não é rico nem negociante, e sim um inventor velhinho e excêntrico. A relação dos dois é muito boa. Eles sabem que são tidos como os "lelés" da aldeia e por isso apoiam um ao outro. A Disney inventou ainda o Gaston, que incorpora o papel de pretendente da Bela e ainda tem um pouco das irmãs: bonitão por fora, podre por dentro.

No conto original, as filhas do negociante costumavam receber muitas propostas de casamento, mas sempre recusavam. As mais velhas, que se achavam, diziam que só se casariam com um duque ou, no mínimo, com um conde. Já a Bela dizia que era muito jovem pra casar e que preferia fazer companhia ao pai por mais alguns anos.

MAS ENTÃO!! Quebrou a bolsa e o pai de repente ficou pobre!!!! Pois é, os tempos já eram loucos. A família agora teria que se mudar pro campo e viver da labuta. As filhas mais velhas, claro, fizeram cara de nojinho e procuraram alguém que quisesse casar com elas pra sustentá-las, mas, hehehe... Agora ninguém queria mais, naturalmente. Todo mundo só ficou com pena da Bela, que era tão bonita e tão boazinha...

Toda família foi então pro campo e, enquanto a Bela ajudava o pai no trabalho, as suas irmãs ficavam pastando, acordando tarde, morrendo de tédio e com saudades das baladas.
Um dia, o pai da Bela recebeu uma carta dizendo que um navio com mercadorias suas tinha acabado de chegar no porto. As filhas mais velhas, quando souberam que o pai iria à cidade pra ganhar dinheiro, pediram um milhão de coisas: vestidos, perucas, bolsas, sapatos etc. O pai perguntou à Bela se ela não queria nada, e ela não queria mesmo, mas pediu uma rosa.

O pai foi à cidade, mas pelo jeito a mercadoria dele tinha sido retida pela alfândega (muambeiro?) e ele teve que voltar com o chapéu na mão. No caminho de volta, no entanto, ele se perdeu numa floresta escura do mal.

A Disney optou por não usar essa história de novelinha que mexe com meio social, elite, pobreza e blahblahblah, apesar de no filme a viagem do pai também ser motivada pela esperança de ganhar dinheiro e sair da aldeiazinha do interior. No filme, porém, o dinheiro é só um coadjuvante, um instrumento, e não o verdadeiro objeto do desejo, como no conto original. A família da Disney não quer saber de status social nem de luxos. O dinheiro servirá para que eles possam se libertar de um mundo pequeno demais para o tamanho dos sonhos deles (mais bonito e menos mesquinho, né?).

Bom, no original, o pai da Bela encontrou um castelo abandonado no meio da floresta. Lá dentro, ele viu a mesa posta, comeu, viu um quarto arrumado, dormiu, e no dia seguinte ia embora. Na saída, porém, havia um jardim de rosas, e ele arrancou uma pra levar pra Bela. Mas aí apareceu a Fera, pau da vida porque foi super gente boa com o velhinho, dando comida e cama pra ele às escondidas, e em troca ele ia e depredava o jardim dela! Agora ele tinha que morrer!

O pai da Bela explicou que só precisava de uma rosinha pra levar pra filha, então a Fera disse que, se ele quisesse, poderia trazer uma filha pra morrer em seu lugar. (Gente, olha como esse povo era ingênuo: a Fera manda o pai ir falar com as filhas e faz ele jurar que, se elas não quiserem morrer, ele vai voltar pra Fera matar ele. XD E o pai ainda jura! XD Realmente, hoje em dia não ia colar!)

Chegando em casa, o pai contou tudo às filhas. É claro que quem se ofereceu pra morrer foi a Bela, dizendo que é melhor ser devorada por um monstro do que sofrer com a morte do querido papai.

Então lá se foi a Bela, pro castelo da Fera. Ao chegar, ela viu a mesa posta, e pensou que a Fera queria ela bem gordinha pra ser devorada. No meio da refeição, chegou a Fera, só pra dizer que a Bela era uma moça muito boa por ter aceitado morrer pelo pai.

Para surpresa da Bela, ela tinha um quarto com seu nome preparado no castelo. Ela percebeu então que a Fera não queria comê-la, e sim viver com ela, o que era muito mais assustador!
No dia seguinte, na hora do almoço, a Bela e a Fera tiveram sua primeira conversa, que é muito interessante (e hilária):

"Bela", disse o monstro, "incomodo se a vejo cear?"
"É o senhor quem reina neste castelo", disse a Bela, tremendo.
"Não", respondeu a Fera, "não há aqui outra senhora além de Bela. Caso a esteja aborrecendo, uma palavra sua e vou-me embora. Diga, a senhorita me acha muito feio?"
"Acho sim", disse a Bela (huahahua). "Não sei mentir. Mas acredito que é muito bom."
"Tem razão", disse o monstro, "mas além de feio, não possuo inteligência; afinal não passo de um animal." (XD)
"Não pode ser um animal se acha que não tem inteligência", replicou Bela. "Um tolo nunca sabe que é tolo."
"Então coma, Bela", disse o monstro, "e trate de não se aborrecer na sua casa. Pois tudo isto é seu, e eu ficaria desolado se você não estivesse contente."
"O senhor é mesmo bondoso", disse a Bela. "Confesso que seu coração me agrada muito. Quando penso nele, o senhor não me parece tão feio."
"Ah, senhorita, é verdade", respondeu a Fera. "Tenho um bom coração, mas sou um monstro."
"Muitos homens são mais monstruosos", disse Bela, "e gosto mais do senhor com essa aparência que daqueles que, por trás de uma aparência de homens, escondem um coração falso, corrompido, ingrato."
"Se eu fosse inteligente", respondeu a Fera, "agradeceria com um grande elogio. Mas sou um idiota e tudo que posso dizer é que fico muito grato."

Depois desse diálogo, a Bela perdeu o medo da Fera. Mas voltou a sentir quando a Fera a pediu em casamento. Ela, muito sincera, recusou o pedido. A Fera se conformou e voltou a se esconder.

E o tempo foi passando, com a Fera pedindo a Bela em casamento de vez em quando e a Bela recusando. Ela dizia que até gostaria de se casar com ele, se ele não fosse tão feio, mas que, ao menos, eles seriam sempre amigos.

Bela vivia feliz com a Fera, mas tinha saudades do pai. A Fera, então, resolveu deixá-la visitar a família, pedindo que ela não se demorasse.

Quando a Bela chegou em casa, suas irmãs vieram recebê-la casadas e infelizes. Uma tinha se casado com um cara bonitão que passava o tempo todo se olhando no espelho e ignorava a mulher. A outra tinha arranjado um cara inteligente, mas que só usava a inteligência pra espicaçar todo mundo, a começar pela esposa. Já sacou a moral da história?

A Bela então contou pra todo mundo que a Fera era muito boazinha e a fazia muito feliz, embora insistisse nos pedidos de casamento. As irmãs, cheias de inveja, resolveram segurar Bela por bastante tempo em casa, esperando que a Fera ficasse com raiva da Bela e a devorasse.

Um dia, ainda na casa do pai, Bela pensava na Fera, e teve esse insight:

"Não é muita maldade minha fazer sofrer a Fera que é só bondade para mim? É culpa dele se é tão feio, se não é muito inteligente? Ele é bom, e isso vale mais que todo o resto. Por que não quis me casar com ele? Seria mais feliz ao lado dele que minhas irmãs com seus maridos. Não é nem a beleza, nem a inteligência de um marido que fazem uma mulher feliz. É o caráter, a virtude, a bondade. A Fera tem todas essas boas qualidades. Não o amo; mas tenho por ele estima, amizade e gratidão. Vamos, é errado fazê-lo infeliz. Eu me condenaria o resto da vida."

Pausa para reflexão.

É isso mesmo. No conto, a Bela decidiu se casar com a Fera por pena. A moral da história é que uma mocinha pode ser feliz casada com alguém que não ama, desde que ele seja uma boa pessoa. Ora, ouso dizer que hoje o mundo é muito mais romântico! A Disney fez com que a Bela se apaixonasse pela Fera, apesar de sua aparência e de todos os seus defeitos, e aí sim eles puderam se casar, depois que a Fera se revelou um príncipe encantado.

A história original termina com a Bela voltando ao castelo e encontrando a Fera quase morrendo (literalmente) de saudades. Mas é só a Bela contar pra Fera que resolver casar, que o feitiço se quebra e o monstro vira príncipe. Ele tinha sido enfeitiçado por uma fada malvada, que havia lhe tirado a beleza e a inteligência até que ele encontrasse uma moça disposta a casar com ele.
Então eles se casam e vivem felizes para sempre, e as irmãs da Bela são transformadas em estátuas (por uma fada que não tinha nada a ver com a história) e postas na frente do castelo pra ficar vendo a felicidade da Bela.

Lindo final, não? Ainda tem uma vingancinha catártica. Tá certo que no filme da Disney o Gaston morre, mas ele mereceu mesmo - tentou chantagear a Bela, foi malvado com o pai dela, apunhalou a Fera pelas costas...

Na história como é contada hoje, o príncipe é transformado em Fera por ser muito egoísta, mimado e grosseiro, e só volta à forma humana quando aprende a amar e tem seu amor retribuído. Isso só aconteceu porque a Fera se tornou alguém digno de ser amado.

E foi assim que o valor do casamento por amor, e não por conveniência ou por resignação, foi incorporado à nossa mitologia moderna...

<3

[Pra quem quiser conhecer os contos de fadas originais, tem alguns livros bem legais, como "Contos de Fadas", da Jorge Zahar, e "A Psicanálise dos Contos de Fadas", da Paz e Terra, escrito pelo Bruno Bettelheim.]